domingo, 5 de outubro de 1997

Cientistas também podem cair no "conto do vigário"

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

A Astrologia é muito mais popular do que a Astronomia. Sem dúvida, um número muito maior de pessoas abre um jornal ou uma revista para consultar uma coluna astrológica do que para ler uma coluna sobre astronomia. E a Astrologia não está sozinha: numerologia, quiromancia, tarô, e búzios também são muito populares.

Como físico, não cabe a mim tentar explicar o porquê dessa irresistível atração pelo que vai obviamente além do que chamamos de fenômenos naturais. Mas posso ao menos oferecer uma conjectura. O fascínio pelo esotérico vem justamente de seu aspecto pessoal, privado: você paga a um profissional com conhecimentos ou "poderes" esotéricos para que ele fale sobre você, sua vida, seus problemas, seu futuro.

Por trás desse fascínio pelo "saber" esotérico encontramos nosso próprio desejo de nos situarmos melhor emocional ou profissionalmente em nossas vidas. Nesse sentido, a atração pelo esoterismo força as pessoas a uma auto-reflexão que pode até ser muito importante como veículo de autoconhecimento.

Mas, como físico, cabe a mim fazer o papel do chato e argumentar contra a crença nesses fenômenos como tendo existência no mundo natural. E isso não é porque eu seja bitolado ou inflexível. Ao contrário, qualquer cientista ficaria imediatamente fascinado pela descoberta de um fenômeno novo, por mais estranho que ele seja. Faz parte de nossa profissão justamente manter a cabeça aberta para o inesperado.

O problema com o esoterismo é que não temos nenhuma prova concreta, científica, de que esses fenômenos realmente ocorram.

Uma das grandes armas da ciência contra o charlatanismo está justamente na possibilidade de repetirmos um dado experimento quantas vezes desejarmos. Os cientistas não precisam "acreditar" nos resultados de outro cientista. Basta repetir o experimento no seu próprio laboratório sob condições idênticas, e os mesmos resultados devem ser encontrados.

Eis aqui um exemplo: a "descoberta" da fusão fria, a produção de energia a partir da fusão de núcleos atômicos a temperaturas baixas. O processo de fusão nuclear ocorre em temperaturas e pressões altíssimas, por exemplo no interior do Sol ou na infância do Universo. Mas em 1989, Stanley Pons e Martin Fleischmann, dois cientistas de renome, anunciaram ter obtido fusão a temperatura ambiente.

Tal resultado poderia revolucionar a produção mundial de energia. Por isso, vários grupos imediatamente tentaram reproduzir os achados de Pons e Fleischmann. Após alguns alarmes falsos, ficou claro que fusão a baixas temperaturas é impossível. Como não foram reprodutíveis os resultados anunciados, eles foram abandonados.

Essa história tem várias morais. Uma delas é que cientistas também podem cair no conto do vigário. Mas só por algum tempo! Outra moral é que os cientistas devem ter mais cuidado em ir até a mídia quando julgam ter uma grande descoberta em suas mãos. Mais relevante para nossa discussão, os cientistas não têm a priori a cabeça fechada para fenômenos "estranhos"; apenas para fenômenos que se recusam a ser reconfirmados no laboratório.

Seria fascinante se houvesse uma força desconhecida que pudesse influenciar nosso comportamento _ou pelo menos indicar tendências_ a partir de um arranjo cósmico em que nós, como indivíduos, participássemos ativamente, um tipo de astronomia personalizada.
Para mim, mais fascinante ainda é seguir os passos de outros cientistas e me dedicar ao estudo dos fenômenos naturais, armado apenas com inspiração e razão. Ao compreendermos um pouco mais sobre o mundo à nossa volta, podemos também compreender um pouco mais sobre nós mesmos.

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