domingo, 5 de setembro de 2010

Esponjas, homens e criacionismo





Cientistas às vezes têm de aceitar que não veem o filme inteiro. O desafio é destrinchar a história com o que temos


RECENTEMENTE, GENETICISTAS obtiveram um resultado notável: as esponjas (forma de vida multicelular mais antiga que conhecemos) podem ter entre 18 mil e 30 mil genes, números comparáveis aos dos humanos, das moscas e de incontáveis outras espécies.

Como as esponjas existem há pelo menos 500 milhões de anos, muitos pensam que elas formam o tronco da árvore da vida que leva aos animais. Não somos, portanto, apenas descendentes dos macacos. Nós e todas as outras espécies viemos das esponjas, primas dos objetos porosos que usamos no banho.

Estranho imaginar que seres tão simples sejam nossos ancestrais.

Afinal, esponjas não têm pele ou neurônios. No entanto, sabe-se que as esponjas têm genes responsáveis tanto pelas proteínas usadas na comunicação entre as células nervosas, por exemplo. Está tudo lá, numa espécie de hibernação genética.

A descoberta incita uma questão importante. De onde veio todo esse aparato genético das esponjas?

Se adotarmos uma postura reducionista para a evolução da vida, é natural supor que as primeiras formas de vida eram simples. Isto é, com um número reduzido de genes.

O pulo em complexidade de alguns genes para milhares não é trivial.
Criacionistas vão adorar. "Como essa complexidade foi atingida sem a intervenção de um engenheiro?"

Prevejo que argumentos criacionistas, como o baseado na existência implausível do olho, serão revisados para incluir a complexidade genética das esponjas, degraus abaixo na escada evolutiva.

Biólogos não terão dificuldade para rechaçar esse argumentação.

Não se pode usar dados necessariamente incompletos para se construir um argumento de caráter definitivo.

O processo de investigação científica é cumulativo. Darwin foi atacado pelos "elos perdidos" no registro de fósseis. Seus críticos queriam uma progressão continua das formas de vida, feito num filme, sem os pulos que necessariamente existem.
Esse tipo de continuidade é impossível por ao menos duas razões.

Primeiro, é inocente querer que os fósseis de todas as espécies que existiram no passado tenham sido preservados até o presente. Alguns são destruídos e outros não se fossilizaram. Mesmo que todos tivessem sido fossilizados, achá-los seria impossível, já que jazem espalhados pelas entranhas da Terra.

Segundo, devemos considerar a hipótese do equilíbrio pontuado de Niles Eldredge e Stephen Jay Gould, segundo a qual a evolução da vida não pode ser separada da dramática história da Terra.

Cataclismos globais, como a queda de um asteroide ou grandes erupções vulcânicas, redefiniram a evolução da vida. É de se esperar que existam descontinuidades. Achar que a complexidade das esponjas é evidência de algum criador é como pegar um filme na metade e não admitir que metade já passou.

Como não têm esqueleto, as esponjas não se fossilizam. É plausível que tenhamos perdido muito do filme. Outras formas de vida, com genética mais simples, talvez protoesponjas, devem ter existido. Como em arqueologia ou em cosmologia, temos de aceitar que nunca veremos o filme inteiro. O desafio é destrinchar a história com as partes que conseguimos ver. A beleza da ciência é que podemos fazer isso.

7 comentários:

  1. Caro Marcelo,

    Engano seu que esponjas não têm esqueleto. Têm sim, esqueleto de espículas. E algumas têm esqueleto de silício, as chamadas de Hexactinellidas, ou esqueleto de calcáreo, as Calcáreas. E por isso mesmo vários fósseis de esponjas já foram encontrados, principalmente na China.

    Provavelmente não devem ter existido protoesponjas, pois as próprias esponjas são agregados de células. Na verdade, presume-se que os diferentes tipos de células das esponjas podem ter tido origem distinta. Porém, estudos sugerem uma origem monofilética para as esponjas (proposta de Werner Müller).

    Além disso, como muitas esponjas apresentam uma alta densidade populacional de microrganismos (principalmente bactérias e cianobactérias), supõe-se que tais associações sejam essenciais para o que se chama de uma esponja.

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  2. "Achar que a complexidade das esponjas é evidência de algum criador é como pegar um filme na metade e não admitir que metade já passou."

    por isso que o argumento do desígnio é um argumento ridiculamente furado, um argumento por ignorância - eu não sei, foi um criador então.

    pelo menos na ciência ve-se a humildade de reconhecer q nao temos todo o registro fossil e q isso é impossivel, mas os poucos que temos estão em total acordo (em tempo geológico e em escala evolutiva) com a previsão da TE.

    pq é tao difícil aceitar isso?

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  3. "O maior nunca pode surgir do menor"
    Considero que essa máxima filosófica serve para manter em suspensão qualquer convicção científica no sentido de que a vida tende a uma evolução em complexidade.

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  4. "O maior nunca pode surgir do menor"
    Será mesmo? Então como um ser humano surge de um zigoto? Ou ainda, como que antes de termos hematopoiese temos que ter nucleossíntese?

    Desculpe, mas forçou a barra Fábio. O que fica difícil explicar, filosoficamente, é uma mente extremamente complexa, incriada, de caráter antropomórfico e que preceda tudo.

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  5. Ao palco de atuação de nossa existência física, chamado universo, revela-se, para nós humanos, como um universo de três dimensões espaciais e mais uma dimensão, aparentemente "independente", de tempo.
    Um dos grandes gênios da humanidade, superando a capacidade de percepção habitual dos seres humanos, pode nos mostrar que na verdade tempo separado de espaço é uma ilusão.
    Através de sua teoria, a humanidade pode especular a origem de nosso aparente "absoluto" universo.
    Para a grande maioria dos cientistas o universo teria surgido do Nada, pois nada pode ser atribuído ao Nada que o defina por completo.
    O que chamamos de vácuo é ausência total de matéria, porém com algum campo de força, dentro de um espaço tridimensional.
    O que chamamos de vazio é ausência absoluta de matéria e campo de força, mas ainda em um espaço tridimensional.
    O Nada é ausência absoluta de matéria, campo de força e também de espaço-tempo.

    O nosso Universo surgiu de uma singularidade, algo menor que uma partícula fundamental, e se expandiu por 13,7 bilhões de anos até atingir nossa atualidade. No entanto, mesmo atingindo uma dimensão fantástica de tamanho, o nosso universo, placo de atuação de nossa existência ainda é envolvido pelo Nada, servindo como um alicerce que o mantém em suspensão.

    Enfim, considero que devemos ter cautela em nossas convicções primárias e superficiais.
    "O sutil Nada pode ser maior que aquilo que você chama de tudo"

    A filosofia pode ser a ferramenta que livrará o ser humano da racionalização de suas experiências baseadas em sua limitada capacidade de observar

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  6. Em geral, concordo muito com a maioria das coisas que leio no Blog. Porém, acredito que este Post está, estranhamente, radicalista e reducionista.

    Com relação ao Darwinismo, acredito que com as mais recentes descobertas (como a epigenética), cada vez mais esta teoria deixa furos e lacunas que sugerem que ela pode não estar correta.

    Realmente não sei se ela está certa ou errada, mas dizer que o argumento da "progressão contínua das formas de vida, feito num filme" é "inocente" acho que foi algo bastante leviano.

    A dificuldade em mapear a evolução de forma contínua de todas as espécies em "tempo integral" não apaga o fato de que isso não foi possível nem ao menos para UMA única espécie, em um período de tempo LIMITADO.

    Provar que algo PODE não ser verdade, não quer dizer provar que É uma mentira.

    http://www.desnewtoniando.blogspot.com

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  7. Tem muitas matérias interessantes por aqui.

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