domingo, 8 de agosto de 2010

Dividindo visões de mundo


É loucura levar nossa visão de mundo muito a sério, pois sem dúvida ela vai acabar se transformando



"Todos levamos dentro de nós um grão de loucura, sem o qual é imprudente viver", escreveu García-Lorca. Richard Wagner, Virginia Woolf, Gore Vidal, D. H. Lawrence, Greta Garbo -eis alguns dos nomes que volta e meia escapavam para o vilarejo de Ravello, ao sul de Nápoles, na Itália. Não é para menos. A uma altitude de 365 metros, escavada nas íngremes encostas que abraçam dramaticamente o Mediterrâneo, Ravello é uma joia rara. E não só pela sua inigualável beleza.


Tive o privilegio de passar cinco dias em Ravello recentemente, participando do festival que ocorre anualmente no verão. O evento é único, reunindo pensadores, artistas plásticos, músicos, empreendedores, todos em busca da mesma coisa: beleza natural e revitalização intelectual e estética. Vim a convite do organizador do festival, o famoso sociólogo italiano Domenico de Masi, que soube de mim graças ao jornalista Roberto D'Ávila.

Masi é conhecido do público brasileiro. Dentre seus livros, "O Ócio Criativo" foi sucesso de vendas. Ele também escreve regularmente para a revista "Época". Com uma docilidade ímpar, conduz o festival como se fosse a sua orquestra: tudo funciona perfeitamente, dos concertos de música clássica e jazz às peças de teatro e até, claro, a conferência da qual participei.

A cada ano o festival tem um tema diferente, que unifica as obras. Neste ano, o tema foi a loucura. Mapearam sua presença nas instituições, na ciência, no Cosmo, na jurisprudência, na propaganda, no comércio, nas comunicações, na economia e na política. Do Brasil, participou também a notável ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, que fez excelente apresentação sobre a manipulação ideológica das instituições de direito, especialmente em regimes fascistas.

Falei sobre as mudanças de visão de mundo que ocorreram na história, e de como elas foram e são decorrentes dos avanços da ciência. Começando com os gregos e seu mundo, onde a Terra era o centro do Universo. Lembrei que, na época de Colombo e Cabral, essa era ainda a visão dominante: para eles, tudo girava em torno da Terra, enquanto nós, humanos, éramos o ápice da Criação. A Igreja fornecia a justificativa para esse arranjo vertical da existência: da Terra, o homem almejava ascender à graça dos céus, morada de Deus e de seus anjos.

De lá para cá, tudo mudou. Não somos mais o centro do Cosmo, e nem mesmo o Sol é uma estrela importante. Como ele, existem bilhões de outras, e isso só na nossa galáxia. Expliquei que a ciência vai avançando com o tempo, e que certezas atuais podem se tornar absurdos. Disso, aprendemos que é loucura levar nossa visão de mundo muito a sério, pois sem dúvida ela vai mudar. É bom tomarmos nossas certezas com muita humildade.

O festival fornece a todos uma oportunidade de refletir sobre aspectos da vida que o dia-a-dia interrompe. São raros esses momentos, em que pessoas ocupadas se permitem um espaço para a contemplação do belo e do absurdo, na expectativa de abrir a cabeça para o novo. Ao fim do seminário, perguntei a Masi, um grande fã do nosso país, por que não temos algo de semelhante no Brasil. "Excelente ideia", disse-me ele. Acho que será um grande sucesso.

3 comentários:

  1. Marcelo, pode-se aferir assim que o sectário é aquele que leva muito a sério suas verdades...

    Porém, acredito que existe um ponto importante que vai mais na linha do Freud, que são as sequelas afetivas, que enclausuram determinadas pessoas a determinados pensamentos.

    Se não pensarmos o problema em duas vias, cognição e afeto, dificilmente superamos as barreiras.

    Quem se prende numa gaiola cognitiva, tem um problema afetivo, que precisa da cognição também para voar e vice-versa.

    Concordas?

    Abraços,
    grato pelos seus textos luminares,
    Nepô.

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  2. Poliana de Medeiros Oliveira10 de agosto de 2010 às 20:23

    Uma das coisas que mais me encantam é a sinfonia de todas as espécies. E de um modo particular, quando a espécie humana pára para ouvir o concerto da vida e consegue dançar no compasso indefinido da criação.

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  3. Marcelo! Sobre "as mudanças de visão de mundo que ocorrem na historia, e de como elas foram e são decorrentes dos avanços da ciência", nos faz transcender a visão religiosa e mostrar o tetragrama D.E.U.S. já apresentado neste blog. Trata-se de um teorema que explica o por quê do movimento em tudo o que se percebe numa nova visão de mundo. No universo só existem duas forças: puxar e empuxar. Qualquer outra força, necessariamente, será corolário dessas duas. O grão sensibilidade é o sujeito perceptomotriz, pois ele puxa e empuxa a energia moldando fenômenos como a gravidade, a eletricidade, o magnetismo, a luz, o calor, e principalmente, a vida, a inteligência e a consciência.
    Quanto à loucura, tema no festival de Ravello, faço este comentário: em 1435 quando a Terra ainda era considerada o centro do universo, Alberti escreveu um texto em latim sobre o mito do rei Midas. Sessenta anos depois Sandro boticelli pintou a alegoria de "A Calúnia". Nesta gravura há dez pessoas: três homens e sete mulheres. O rei Midas aparece ladeado por duas: a Ignorâcia e a Suspeita. O Despeito se aproxima. Ele é o guia da Calúnia seguida pelas Fraude e Insídia que ajeitam seus enfeites. Atrás vem a Penitência e por última a Verdade. A Calúnia porta um tocha e com a mão direita arrasta um rapaz. Este é o Sensato.
    Nossa mente é um campo esférico limitado por um espelho côncavo com o eu sensibilidade no centro. Nosso pensamento é um circuito intelecto-cônscio tal qual o eletro-magnético. Cada inteligência vê aquilo que a consciência reflete.

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