domingo, 1 de agosto de 2010

O erro de Kepler



Devemos julgar afirmações sobre "teorias de tudo" com enorme ceticismo; nosso conhecimento é limitado



Em 1596, com o furor de uma mente devota, o jovem Johannes Kepler, então com apenas 25 anos, publica seu primeiro livro, "Mysterium Cosmographicum" ou "O Mistério Cosmográfico". Nele, o astrônomo principiante propõe nada menos do que a solução para a estrutura do Cosmo, o que acreditava ser o plano divino da Criação.

Tudo se deu durante uma aula que ministrava para um punhado de estudantes desinteressados. Quando explicava as conjunções dos planetas Júpiter e Saturno, Kepler se perguntou se o fato de Saturno estar aproximadamente duas vezes mais longe do Sol do que Júpiter era sintoma de uma ordem mais profunda: talvez a estrutura cósmica seguisse as regras da geometria. Fosse esse o caso, a mente humana teria acesso aos segredos mais profundos da Criação e à mente de Deus. E a língua em comum entre homem e Deus seria a matemática.

Após várias tentativas frustradas, Kepler obteve a solução que tanto almejava. Na época, só eram conhecidos seis planetas, de Mercúrio a Saturno. Urano e Netuno, invisíveis aos olhos, só foram descobertos bem mais tarde. Kepler, numa visão genial, imaginou que o cosmo seria organizado a partir dos cinco sólidos platônicos, os cinco objetos mais simétricos que existem em três dimensões. Conhecemos bem dois deles, o cubo e a pirâmide (tetraedro). Kepler entendeu que, ao colocar um sólido dentro do outro, como aquelas bonecas russas, com esferas entre cada um deles, poderia acomodar apenas seis planetas: Sol no centro; esfera (Mercúrio); sólido; esfera (Vênus); sólido; esfera (Terra); sólido etc. Portanto, o número de planetas seria decorrente do número de sólidos perfeitos!

Kepler foi além. Como os sólidos obedecem às regras da geometria, seu arranjo determina também as distâncias entre si e, portanto, entre as esferas que os cercam. Experimentando com padrões diferentes, Kepler encontrou um que previa as distâncias entre os planetas com uma precisão de 5% -quando comparado com os dados astronômicos da época, um feito sensacional.

Para um homem que acreditava profundamente num Deus matemático, criador da ordem cósmica, nada mais natural do que uma solução geométrica. Kepler via seu arranjo como a expressão do sonho pitagórico de obter uma explicação geométrica para os mistérios do mundo. Para ele, essa era a teoria final.

Podemos aprender algo com Kepler. Soubesse ele da existência de outros planetas, Urano e Netuno, como teria reagido? Certamente, seu sonho de uma ordem geométrica para o Cosmo dependia do que se sabia na época. Seu erro foi ter dado ao estado do conhecimento empírico do mundo uma finalidade que não existe. Para Johannes Kepler, era inimaginável que o Cosmo pudesse se desviar de sua estrutura geométrica. No entanto, sabemos que nosso conhecimento do mundo é limitado, e será sempre.

Por isso, devemos julgar declarações sobre teorias de tudo ou teorias finais com enorme ceticismo. A história nos ensina que o progresso científico caminha de mãos dadas com nossa habilidade de medir a Natureza. Achar que a mente humana pode imaginar o mundo antes de medi-lo pode ocasionalmente dar certo. Mas, em geral, leva a mundos que existem apenas na imaginação.

4 comentários:

  1. Penso que a glória da ciência - ao lado das descobertas - é que nunca saberemos tudo, portanto, que a busca é eterna.
    Assim como Kepler, também fazemos afirmações que no futuro parecerão ingênuas, mas que hoje respondem aos nossos limitados questionamentos, mas por ora nos servem. Será?

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  2. Olá,
    Ceticismo sempre.
    "Idiotas que falam que essa vida é passageira e iremos para um mundo melhor depois da morte, se esse imbecis soubesse como eles fazem mau para a humanidade com essas ideias idiotas, eles pediriam desculpas para todos."

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  3. O absoluto espaço infinito reino incomodidade das trevas frias, contem a energia contínua e passiva, asensibilidade granulada e ativa, e a lei que rege a sensibilidade na busca pela acomodação.Essas quatro entidades incondicionais estão figuradas no círculo com um ponto no centro. o círculo figura o Dharma induísta. O interior do círculo figura a energia.O exterior, a ubiqüidade espacial, e o centro a sensibilidade. tem-se assim o tetragrama D.e.u.s., a unidade micro e macro universo. Será isso que o professor Marcelo busca? Essa unidade funciona no sistema pulsação e na ordem: impressão, expressão, circunspecção e volição.

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  4. Ainda que chegássemos a uma "Teoria de Tudo", e ainda que tivessemos, em determinado instante no espaço/tempo, a informação sobre o estado de energia de todas as coisas no nosso Universo (i.e., Gedankenexperiment "Demônio de Laplace"), o Princípio da Incerteza nos diz que não poderíamos saber ao certo o futuro desse Universo. Adicione-se a isso o fato de que ainda que o Princípio da Incerteza não fosse uma propriedade intrínseca do Universo, e vivéssemos em um Universo deterministico, O Paradoxo de Hume, relativo à impossibilidade de um efeito sem causa, colocaria essa ciência da "Teoria de Tudo" em pé de igualdade com a religião de hoje: ambas, ofereceriam explicações lógicas e universais para nosso Universo e nossa existência; mas o que teria vindo antes de Deus, ou antes do início do Universo? Finalmente, voltando ao nosso mundo quântico, ainda que o Universo conhecido seja resultado de flutuações do vácuo quântico em algum momento remoto, qual teria sido a causa da criação do vácuo quãntico, que certamente não é vazio (void)? Por mais esquisita que seja a Física Quântica, ela, como toda a ciência e a religião, também oferece uma explicação lógica, não é mesmo? E novamente ciência e religião estão em pé de igualdade. Afinal, fora a criação de Deus, a religião oferece explicações totalmente lógicas sobre a vida, o Universo, a lógica, a moral e os bons costumes, e sobre a vida de cada uma. Mudando um pouco de assunto, para terminar, concluo com uma pergunta, qual será a possibilidade dos experimentos no LHC causarem efeitos macroscópicos imprevisíveis e potencialmente perigosos???

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