domingo, 4 de janeiro de 1998

As misteriosas explosões de raios gama

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Quando o assunto é explosões, nada pode competir com fenômenos astrofísicos. A morte de uma estrela modesta como o Sol, por exemplo, acompanha uma explosão que engole todos os planetas até Júpiter, transformando tudo que encontrar pela frente em poeira cósmica. (O leitor não precisa se preocupar em aumentar o valor de sua apólice de seguros. O Sol ainda produzirá energia "docilmente" por mais uns 5 bilhões de anos.)

Estrelas com uma massa consideravelmente maior do que a do Sol têm sua morte marcada por um evento ainda mais dramático, conhecido como explosão de supernova. Durante seu clímax, essa explosão pode ser mais brilhante do que uma galáxia inteira com bilhões de estrelas.
Mas supernovas são como "estalinhos de São João" em comparação com as explosões de raios gama, um dos maiores mistérios da astrofísica moderna.

Em 1963, os EUA assinaram um tratado que proíbe testes nucleares na atmosfera, no espaço e embaixo d'água. Para monitorar a atividade nuclear de outros países no espaço (leia-se a então União Soviética), foram lançados detectores em órbitas localizadas mais ou menos na metade da distância entre a Terra e a Lua, capazes de revelar um pulso originado de uma explosão nuclear a distâncias de até quase 2 milhões de km da Terra.

Ian Strong e sua equipe do Laboratório Nacional de Los Alamos não detectaram nenhuma explosão nuclear espacial. Mas, ocasionalmente, seus detectores assinalavam um fenômeno completamente inesperado: pulsos de radiação altamente energética, muito lentos para serem explosões nucleares e muito rápidos para serem causados por qualquer outra fonte astrofísica conhecida, como supernovas. Strong e seus colaboradores batizaram esses eventos de "explosões de raios gama".

Strong e seu time só publicaram seus resultados em 1973, tentando no meio tempo encontrar alguma explicação plausível para os estranhos eventos. Nos últimos 25 anos, mais de 2.000 explosões de raios gama foram detectadas por vários outros grupos, provocando uma enorme agitação na comunidade astrofísica mundial. Sabemos que esses eventos não têm nada a ver com nosso Sistema Solar ou com nossa galáxia. Eles são eventos cosmológicos e não "locais". Mas ainda não temos a menor idéia do mecanismo responsável por essas explosões gigantescas, onde elas ocorrem e por que elas ocorrem. Tudo o que sabemos é que essas explosões são os eventos mais violentos no Universo.

Mas algum progresso está sendo feito. Em 1996, um time de astrofísicos holandeses e italianos lançou um satélite chamado BeppoSax. No dia 8 de maio de 1997, o BeppoSax detectou uma explosão de raios gama acompanhada por uma emissão prolongada de raios X. Em poucas horas, um dos telescópios gigantes no topo do monte Mauna Kei, no Havaí, fotografava o espectro da misteriosa fonte de raios gama.

Da análise do espectro, ficou claro que a explosão ocorreu mais ou menos na metade do intervalo de tempo entre o presente e a origem do Universo, ou seja, entre o presente e a origem do próprio tempo.

A confirmação de que as explosões de raios gama ocorreram durante a infância do Universo só aumenta seu mistério. Para serem observadas hoje, essas explosões têm de gerar em segundos mais energia do que o Sol gera durante seus 10 bilhões de anos de atividade. Que tipo de fenômeno é capaz de gerar essa quantidade monstruosa de energia em tão pouco tempo? Muito possivelmente, a explicação virá de uma compreensão mais profunda da relação entre matéria e energia em campos gravitacionais muito intensos. Existem mais coisas entre o céu e a Terra do que jamais poderá supor nossa vã ciência.

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