domingo, 6 de junho de 1999

O alquimista e o físico nuclear



O grande sonho dos alquimistas -manipular substâncias químicas de forma a transformá-las em remédios ou em ouro- é uma das heranças intelectuais mais importantes da era pré-científica. Do mesmo modo que a astronomia deve muito à astrologia, a química e a física moderna devem à alquimia e a seus misteriosos praticantes.

Envolta em um véu místico, combinando técnicas científicas com rituais mágicos, a alquimia foi muito mais do que uma prática materialista, dedicada a fabricar ouro a partir de elementos mais comuns, como o chumbo. Sem dúvida, esse lado material existia e era importante para a sobrevivência da pesquisa, de forma semelhante ao que acontece hoje em alguns ramos da ciência; vários alquimistas eram financiados por membros da corte com intenções puramente materiais. Em muitos casos, o fracasso era punido com a morte, algo que os governos e indústrias atuais ainda não fazem com seus cientistas. A condenação pelas agências modernas é um corte de bolsa, que não deixa de ser, ao menos simbolicamente, uma condenação à morte. A ciência precisa de fundos.

O trabalho do alquimista transcendia a busca por metais preciosos; o essencial era sua entrega ao processo de descoberta, às práticas ritualísticas em seu laboratório, que funcionavam como uma ponte entre o mundo material e o Universo como um todo. A repetição precisa dos vários procedimentos, as medições, misturas e experiências, transportavam o alquimista a uma nova realidade, onde seu ser se unia ao cosmos, num verdadeiro amálgama da realidade material com a realidade espiritual, o clímax de sua visão holística do Universo. A famosa "pedra filosofal", o misterioso elemento capaz de transformar chumbo em ouro, era na verdade símbolo dessa procura, dessa emancipação espiritual.

A sedução das idéias alquímicas era tão grande (para muitos ainda o é) que o próprio Newton, conhecido como o arquétipo perfeito da razão fria e matematicamente precisa do cientista, cujo tratado de 1687, "Princípios Matemáticos da Filosofia Natural", lançou as bases do estudo da mecânica e da gravitação, dedicou mais tempo às suas pesquisas alquímicas do que às puramente científicas. Na verdade, para Newton essa distinção não era tão clara. Mesmo que ele tenha sido cuidadoso ao separar seus escritos, usando uma linguagem adequada a cada um, sua obra, tomada como um todo, é interpretada por muitos como fruto de sua visão orgânica do Universo. As leis da física complementam princípios místicos, derivados de uma combinação de sua prática alquímica com sua visão religiosa de um Deus todo-poderoso que não só criou o Universo, como também atua constantemente para garantir seu funcionamento.

Aos alquimistas faltava uma das descobertas básicas da física moderna: que elementos químicos podem combinar-se entre si, formando moléculas, mas não se transformar uns nos outros a partir de reações químicas; chumbo não irá virar ouro em uma reação química. Transmutação dos elementos, ou seja, a transformação de um elemento químico em outro, se dá apenas em reações nucleares, que envolvem energias muito maiores do que as de reações químicas típicas. Não é à toa que os alquimistas medievais (ou suas encarnações mais modernas) falharam na busca pela pedra filosofal; ela se esconde dentro do núcleo atômico, consistindo na combinação de duas forças fundamentais da natureza, as forças nucleares forte e fraca. A física nuclear é herdeira da alquimia.

Uma vez que a estrutura do átomo foi compreendida no início do século, ficou claro como é possível transmutar elementos; basta mudar o número de prótons em seus núcleos em reações nucleares. Infelizmente, fica meio caro transmutar chumbo em ouro; os físicos nucleares que tentarem tal feito terão, sem dúvida, suas bolsas cortadas pelas agências financiadoras.

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