domingo, 13 de junho de 1999

O Universo em uma biblioteca infinita

No conto "A Biblioteca de Babel", o grande escritor argentino Jorge Luis Borges constrói uma réplica literária do Universo, criando tanto uma homenagem às descobertas científicas de sua época como um desafio quase que irônico aos cosmólogos modernos. A Biblioteca de Babel é diferente de qualquer outra biblioteca; nela, encontramos todos os livros que já foram escritos e aqueles que ainda vão ser, assim como volumes contendo todas as possíveis combinações de letras nos arranjos mais aleatórios possíveis. Tudo o que já foi pensado, ou que será pensado, e tudo o que não faz sentido pode ser encontrado em algum volume da absurda biblioteca.
O conto levanta questões conceituais que são muito relevantes no estudo da cosmologia. As primeiras frases revelam a intenção de Borges de parodiar a cosmologia: "O Universo (que alguns chamam de biblioteca) é composto de um número indefinido, talvez infinito, de galerias hexagonais". Hexagonais como uma infinita colméia, que retrata a homogeneidade do espaço; todas as galerias são equivalentes, nenhuma sendo mais importante do que a outra. A luz que ilumina a biblioteca é insuficiente, deixando o leitor sempre parcialmente às escuras, como quando vislumbramos o céu noturno e seus mistérios, que nos são revelados em parte. Ou, talvez, a penumbra da biblioteca seja uma alegoria à escuridão que há entre objetos do cosmos.
Como a biblioteca é o Universo, nada pode existir fora dela. Portanto, os leitores, assim como o narrador, são parte da biblioteca. Como podemos compreender algo do qual nós somos parte?

Os bibliotecários tentam em vão decifrar os infinitos significados do seu mundo, condenados a um conhecimento finito. Esse fato pode ser identificado como uma analogia ao conhecimento científico: como a biblioteca contém todos os livros, deve haver um compêndio que resume todos os outros livros. Mas, se esse livro existe, a biblioteca é completa, deve haver um outro livro que descreve todos os livros e mais esse compêndio, e assim por diante, em uma regressão infinita. Portanto, é impossível encontrar um livro que contém todos os outros, pois sua existência necessariamente implica a existência de um outro livro que o inclui. A busca por uma síntese do conhecimento está fadada ao fracasso.

Já que parte da biblioteca é acessível, os bibliotecários "sofrem de perigosas ilusões do quanto é realmente compreensível". Ver uma parte, ou mesmo várias partes, não significa ver o todo, ou poder ver o todo.

Os habitantes da biblioteca enumeram os livros e calculam probabilidades, mas não conseguem se apropriar de seu significado como um todo. Esse mistério estará para sempre fora do alcance. Para Borges, a ciência jamais conseguirá desvendar os mistérios mais profundos da natureza, simplesmente porque somos parte do mistério.

O conto (e também outros, como "O Aleph", que espero comentar em outra ocasião) revela uma profunda preocupação com a representação científica do mundo, não só no questionamento dos limites do conhecimento, como também em um nível mais reducionista; mesmo que todos os livros sejam escritos usando as 23 letras do alfabeto, o conhecimento dessas letras pelos habitantes da biblioteca não revela muito da natureza fundamental de seu Universo.

Será que Borges está criticando a busca pelos tijolos elementares da matéria da física de partículas? Essas partículas são o "alfabeto" com o qual toda a "escrita" do mundo natural é feita. Será que essa busca é necessariamente fadada ao fracasso? A resposta depende da ambição de cada um. Para os que querem descobrir tudo com a ciência, talvez as alegorias de Borges sejam mais do que só alegorias. Eu me contento em circular por regiões parcialmente iluminadas da biblioteca, encontrando, aqui e ali, mais um volume que me revele uma pequena parte do grande e impossível mistério.

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