domingo, 30 de maio de 1999

Há 80 anos, Einstein brilhava no eclipse de Sobral



Em ciência, boas idéias não bastam; é preciso confirmá-las por meio de observações precisas. A natureza nem sempre se comporta conforme nosso intelecto deseja. Ao propor uma nova teoria, o cientista tem de estar preparado para o ceticismo de seus colegas. É justamente esse ceticismo e o processo de averiguação de novas idéias que legitima a ciência e suas conquistas.
Poucos cientistas foram tão ousados intelectualmente quanto Einstein. No início do século 20, ele escreveu vários artigos que revolucionaram nossa concepção do espaço, do tempo e da gravidade -na teoria da relatividade (TR)-, da luz e suas propriedades e do comportamento da matéria ao nível atômico. Curiosamente, seu Prêmio Nobel de 1921 foi dado por suas idéias sobre as propriedades da luz e não sobre a TR. Certas idéias demoram para ser aceitas.

A TR tem duas partes, as chamadas teorias especial e geral. A teoria da relatividade especial (TRE), proposta em 1905, discute como observadores em movimento relativo com velocidade constante podem comparar os resultados de suas medidas físicas. A restrição a movimentos com velocidade constante incomodava Einstein. Afinal, a maioria dos movimentos na natureza são acelerados. Em 1907, ele teve uma inspiração que abriu as portas para sua nova teoria; é possível imitar os efeitos da gravitação com movimentos acelerados. Por exemplo, quando um elevador sobe -um movimento acelerado-, você se sente mais "pesado". O mesmo efeito poderia ser obtido se fosse possível aumentar a massa da Terra (ou diminuir seu raio), aumentando seu campo gravitacional.

Até então, a teoria da gravitação aceita era aquela proposta em 1687 por Newton. Em 1907, Einstein esboça suas idéias sobre uma teoria da relatividade geral (TRG) e sua relação com a gravitação, mas ainda sem muitos detalhes. Ele propõe que a gravitação poderia desviar raios de luz de suas trajetórias retilíneas, algo que já se especulava desde o início do século 19. Em 1911, ele retoma o projeto, mostrando como o desvio poderia ocorrer mesmo na teoria de Newton, após certas modificações. Como teste desse possível efeito, Einstein sugere medir a posição de estrelas "atrás" do Sol durante um eclipse total (para ofuscar sua luz) e após o eclipse, quando o Sol ocupa outra posição. Caso a gravidade afetasse a luz, as posições das estrelas seriam deslocadas durante o eclipse, pois sua luz passaria perto do Sol.

A primeira tentativa de observação desse efeito deu-se em Minas Gerais, em 1912, por astrônomos ingleses, franceses e brasileiros. A equipe brasileira era chefiada por Henrique Morize, diretor do Observatório Nacional. Infelizmente, as chuvas impediram a observação do eclipse. Outras tentativas em 1914 foram interrompidas pela 1ª Guerra Mundial, inclusive com a prisão da equipe alemã, na Criméia, pelo exército russo.

Einstein refinou sua teoria, mostrando, em 1915, que a gravitação pode ser interpretada como uma curvatura na geometria do espaço. Essa teoria previa um desvio da luz pela gravidade duas vezes maior que na teoria newtoniana. Toda a atenção é então dedicada ao eclipse total de 29 de maio de 1919, no Brasil e parte do Atlântico Sul. Esta coluna festeja o 80º aniversário dessa data.

Duas equipes mediram o desvio da luz durante o eclipse de 1919; uma na ilha de Príncipe, no oeste da África, e outra em Sobral, no Ceará. As medidas em Príncipe, dirigidas pelo astrofísico britânico Arthur Eddington, sofreram com o mau tempo. Já as de Sobral, dirigidas pelo astrônomo britânico Charles Davidson, foram um sucesso.

Após a análise dos resultados, ficou claro que as idéias de Einstein estavam corretas. A luz é mesmo desviada pela gravidade do Sol por um fator calculável por meio da TRG. A consagração de Einstein, como um dos grandes cientistas de todos os tempos, deve muito ao belo céu cearense.

Um comentário:

  1. Gostei muito da sua explicação de como o eclipse de Sobral contribuiu para a confirmação da TRG. Estava escrevendo no meu blog sobre teoria científica usando um texto do Popper e ele faz referência ao caso do eclipse, que só agora, com seu texto entendi!!
    Você é um físico que ajuda muito o leigo!!
    Muito obrigada
    wsigler.blogspot.com

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