domingo, 9 de maio de 1999

A união entre a razão e a emoção



Em 1959, o famoso escritor e físico inglês C.P. Snow proferiu uma palestra na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, intitulada "As Duas Culturas e a Revolução Científica". Segundo Snow, uma polarização crescente entre as culturas científica e literária estava levando a uma fragmentação do conhecimento humano, sintomática de uma sociedade confusa e doentia.
Snow criou polêmica entre os defensores dos dois campos. De um lado, cientistas acusavam os humanistas de um excessivo intelectualismo que os isolava da sociedade, criando uma cultura elitista absolutamente inútil. Já os humanistas acusavam os cientistas de criar um mundo tecnológico destituído de emoções, poluído e perigoso.

O próprio Snow sugeriu uma solução para o impasse: a criação de uma terceira cultura, a do cientista-humanista, que seria não só capaz de gerar idéias, mas de traduzi-las de modo acessível ao público. A terceira cultura seria a ponte entre razão e emoção, o meio para o cientista revelar a poesia da ciência, e o poeta, a ciência da poesia. Como consequência, a terceira cultura seria a expressão de uma unificação do conhecimento, produto do trabalho do cientista-humanista.

Em seu livro recente, "Consiliência" (Editora Campus), o biólogo e divulgador de ciência Edward O. Wilson propõe precisamente essa unificação do conhecimento, por meio de uma "cientificação" da cultura humanista. Wilson é, sem dúvida, um dos melhores exemplos do cientista-humanista das últimas décadas. Poucos conseguem, como ele, revelar as paixões e os anseios de uma vida dedicada à pesquisa, com glórias e fracassos, o seu lado humano.
Wilson tece seus argumentos em favor de uma unificação do conhecimento, visitando tanto a história da ciência quanto a história das idéias. Segundo ele, a crise começou no século 18, com os "excessos" dos proponentes do Iluminismo -o movimento intelectual que via a razão como fonte de todo o conhecimento, em detrimento da emoção. O resultado foi a criação do movimento Romântico, que desprezava a razão, baseando-se exclusivamente em emoções e sensações para construir uma visão poética do mundo. Um cinismo mútuo contribuiu para aumentar a animosidade entre a cultura da "razão" e a da "emoção".

Claro, ambos os movimentos erraram em seu radicalismo; adaptando uma frase de Einstein, que usou argumento semelhante comparando ciência e religião, a razão sem emoção é capenga e a emoção sem razão é cega. Como em qualquer atividade criativa, não existe uma clara distinção entre as duas culturas. Não há uma polarização radical do processo criativo em ciência ou em qualquer atividade artística; o cérebro humano, de onde brota a criatividade (assim como as polêmicas!), não tem compartimentos separados dedicados exclusivamente à razão ou à emoção. O funcionamento do cérebro é integrado, isto é, une funções diferentes para chegar a um resultado final específico, como uma orquestra que integra as cordas aos sopros e à percussão para produzir uma sinfonia, a consciência como regente. Portanto, o matemático estudando teoria algébrica ou o poeta criando elegias à natureza estão continuamente integrando suas faculdades racionais e emocionais.

Infelizmente, esses raciocínios não ajudam muito a resolver o problema. O que deve ser feito é uma integração como a sugerida por Wilson e outros, a divulgação de idéias científicas de forma humanística, efetivamente gerando essa terceira cultura. O leitor com acesso à Internet pode consultar o site www.edge.org, um fórum de debates entre acadêmicos criado pelo agente literário John Brockman. Embora o fórum tenha o objetivo ambíguo de vender mais livros dos seus clientes (eu sou um ex-cliente) e irrite bastante certos intelectuais, a iniciativa é excelente. Mas, para ser eficiente, o fórum tem de incluir membros de todas as culturas, sem cinismo.

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