domingo, 10 de maio de 1998

Há algo mais do que falta de luz na escuridão da noite

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Alguns anos após ter anunciado a lei da gravitação universal em 1687, Isaac Newton se correspondeu com o teólogo Richard Bentley, capelão do bispo de Worcester, na Inglaterra. Bentley preparava uma série de palestras sobre as novas descobertas de Newton, baseadas no tema "como a estrutura do Universo poderia apenas ser gerada pelas mãos de Deus". Ou seja, como a ciência pode ser usada para demonstrar a existência de Deus.

Newton, ao contrário do que se pensa, não era apenas uma mente fria e racional. Ele se inspirava numa forte crença no poder infinito de Deus. Ele não se opôs à atividade de Bentley e, de fato, o ajudou, respondendo às suas perguntas e justificando sua posição filosófico-teológica.
Bentley perguntou a Newton como um universo finito, regido pela lei da gravidade, onde os objetos sofrem constante atração mútua, não colapsa sobre si mesmo, com todos os corpos se concentrando em seu centro.

Newton respondeu que o Universo não era finito, mas infinito, já que era criação de um Deus infinito, com infinitos poderes. Nesse Universo infinito, manifestação da glória divina, um número infinito de corpos se posicionava de modo que as atrações em direções opostas se cancelassem exatamente. Caso houvesse algum distúrbio nesse equilíbrio, Deus interferiria, restabelecendo o equilíbrio universal. Newton admitiu que apenas uma força divina poderia manter o equilíbrio de um sistema tão instável, que ele comparou a equilibrar agulhas na vertical.

Em 1721, Edmond Halley, que traçou a órbita do cometa homônimo, argumentou que, em um universo infinito, com um número infinito de estrelas, o céu noturno jamais seria escuro, mas claro como o dia!

Não é muito difícil visualizarmos o porquê desse estranho paradoxo. Imagine-se em meio a uma floresta de pinheiros. Se a floresta não for muito grande, certamente você será capaz de encontrar direções onde não haverá nenhum pinheiro. Mas se a floresta for cada vez mais densa e maior, em um certo momento, você estará cercado de pinheiros, incapaz de encontrar uma direção onde não haja nenhuma árvore. Em um universo estático e infinito, as estrelas são como os pinheiros, e sua radiação encheria os céus com sua luz perpétua.

Os argumentos de Halley foram reelaborados pelo astrônomo suíço J. P. L. de Cheseaux em 1744 e, independentemente, em 1826 pelo médico alemão Heinrich W. M. Olbers. Esse paradoxo, do por que, em um universo estático e infinito, a noite é escura, é conhecido até hoje como o "paradoxo de Olbers". E apesar da escuridão noturna ser a observação astronômica mais óbvia e rotineira, apenas no século 20 o paradoxo foi resolvido de modo satisfatório.

A primeira solução para o paradoxo, sugerida por Cheseaux e Olbers, supunha a existência de um meio gasoso interestelar que fosse capaz de absorver a radiação das estrelas mais distantes. Infelizmente, como notou John Herschel em 1848, em um universo eterno a radiação proveniente das estrelas aqueceria as regiões interestelares, fazendo com que elas também emitissem luz. Ou seja, a solução de Cheseaux e Olbers meramente recriava o problema.

A solução, como talvez o leitor já tenha adivinhado, está ligada com a suposição feita pelas cosmologias antigas de que o Universo é eterno. Sem dúvida, em um universo eterno, temos de considerar a luz de estrelas que começaram a brilhar há um tempo infinitamente no passado, de modo que a soma total de suas contribuições é infinita, iluminando o céu noturno. Mas em um universo que tenha origem em um instante no passado, a contribuição total das estrelas é finita, e o paradoxo desaparece. Portanto, a solução mais natural de por que o céu noturno é escuro tem relação com a própria origem do Universo, ou, melhor ainda, com a origem do tempo. A escuridão do céu noturno representa muito mais do que a simples ausência de luz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário