domingo, 3 de maio de 1998

Einstein e o nascimento da cosmologia Moderna

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Em 1916, menos de um ano após ter formulado sua teoria da relatividade geral (TRG), Einstein percebeu a importância de sua descoberta para nossa compreensão do Universo como um todo. Desse trabalho pioneiro nasceu a cosmologia moderna.

A premissa básica da TRG é que a força da gravidade pode ser interpretada como resultado da curvatura do espaço (e do tempo). Imagine uma criança brincando com bolinhas de gude em uma mesa. A trajetória natural das bolinhas é uma reta.

Imagine também que a superfície da mesa é feita de um material elástico, e que colocamos uma bola de chumbo no centro da mesa. A presença da bola deformará a geometria da mesa, fazendo com que ela se torne curva. Quando as bolinhas de gude passarem perto da bola de chumbo, suas trajetórias irão se desviar de uma linha reta. E, se elas passarem bem perto da bola, cairão no "buraco".
Outro modo de dizermos que as trajetórias se desviaram de uma linha reta é dizermos que elas foram aceleradas. E aqui vem o gênio de Einstein. Podemos tanto dizer que as bolinhas foram aceleradas pela "força gravitacional" da bola de chumbo (claro que na prática essa força é desprezível e devemos substituir a bola de chumbo por corpos realmente maciços, como planetas ou estrelas), ou que suas trajetórias foram desviadas devido à curvatura do espaço, causada pela presença da bola de chumbo. A presença da massa deforma a geometria do espaço à sua volta, fazendo com que as trajetórias de corpos vizinhos sejam aceleradas. Gravidade não é nada mais do que a curvatura do espaço!

Como aplicar isso ao estudo do Universo como um todo? Einstein imaginou que, se ele conhecesse a distribuição média de massa no Universo, poderia usar as equações da TRG para determinar sua geometria. E assim nasceu a cosmologia moderna.

Einstein imaginou o Universo o mais simples e simétrico possível, estático e com a geometria de uma esfera. Na época, não se sabia que o Universo está em expansão, algo que só ficara estabelecido no final dos anos 20 com as observações do americano Edwin Hubble. (As observações do também americano Vesto Slipher, a partir de 1912, já indicavam o afastamento de "nebulosas distantes". Mas esses resultados eram pouco conhecidos na Europa e, certamente, ainda bastante controversos.)

E por que a escolha da geometria? Einstein imaginou que o Universo fosse semelhante à superfície de uma esfera, sem qualquer ponto mais importante do que outro. Imagine uma ameba inteligente, que viva na superfície de uma bola. Para a ameba (aproximadamente um ser bidimensional), seu "universo" não tem começo nem fim, mas tem uma propriedade geométrica interessante: se a ameba viajar sempre na mesma direção, voltará ao seu ponto de partida.
Einstein imaginou nosso Universo com a mesma propriedade, mas em três dimensões, e não em apenas duas. (Infelizmente, nós, ou mesmo Einstein, não podemos visualizar a superfície total de uma esfera!)

Einstein assumiu que a matéria estava distribuída homogeneamente em seu universo esférico e estático. Infelizmente, essa solução só era possível se a energia (ou a pressão) da matéria fosse negativa, o que era absurdo. Caso contrário, a atração gravitacional da matéria faria com que o Universo colapsasse sobre si mesmo! Como solução, Einstein propôs a chamada "constante cosmológica", cuja justificativa física era promover uma força repulsiva capaz de balancear o colapso do seu universo.

Doze anos mais tarde, após a descoberta da expansão do Universo, Einstein admitiu que a constante cosmológica foi seu maior erro. Mas que erro teimoso! Em épocas de "crise", quando observações aparentemente contradizem teorias, cosmólogos ressuscitam a constante cosmológica, elusiva como sempre. Talvez o "erro" de Einstein não tenha sido assim tão errado.

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