domingo, 7 de julho de 2013

A harmonia das esferas (atômicas)



A busca pela ordem, seja ela emocional ou material, é mola mestre da criatividade humana. Nos mais antigos relatos de Criação já encontramos narrativas onde o caos precede a ordem, as trevas a luz e, enfim, onde o processo de emergência da realidade material vem acompanhado de uma ordem que rege seu comportamento. Nas ciências, a busca pela ordem se manifesta nas leis da Natureza --princípios organizativos que visam descrever padrões de regularidade nos fenômenos naturais que observamos.
Poucos exemplos na história da filosofia e da ciência ilustram essa busca e as transformações do conhecimento humano tão claramente quanto o conceito da Harmonia das Esferas, cujas origens datam do período pré-Socrático da filosofia, em torno de 650 a.C. Foi Pitágoras quem propôs que as órbitas planetárias obedecessem a um espaçamento predeterminado por leis matemáticas independentes da história de formação do Sistema Solar e dos planetas: segundo ele e seus discípulos, as distâncias entre os planetas deveriam seguir padrões que espelhassem nos céus as harmonias da música: "Existe geometria no som das cordas; existe música no espaçamento das esferas", segundo um texto atribuído a ele. (Provavelmente não de sua autoria.)
Evidentemente, os estudiosos pitagóricos não sabiam que planetas e suas órbitas (elipses com maior ou menor excentricidade) são produto de uma história de formação que depende de uma dinâmica um tanto complexa, ainda hoje objeto de estudo da astronomia. Para eles, a geometria determinava a forma dos céus: as mesmas leis matemáticas atuavam em todas as escalas, do terrestre ao cósmico.
Esta visão foi revisitada pelo astrônomo alemão Johannes Kepler que tentou, no início do século XVII, dar nova vida aos conceitos pitagóricos. Ainda jovem, Kepler fez uma pergunta que determinou o rumo de sua produção científica: O que determina o número de planetas (6 na época, os visíveis a olho nu) e suas distâncias ao Sol? Sendo um pitagoriano munido de dados, Kepler buscou a resposta na geometria, que acreditava ser a linguagem que Deus usou para criar o cosmo.
O astrônomo propôs que os 6 planetas e suas distâncias eram determinadas pelos 5 sólidos perfeitos. (Dois deles, a pirâmide e o cubo, são bem familiares.) Arranjando-os um dentro do outro como bonecas russas, Kepler situou as órbitas planetárias no espaço entre os sólidos. Usando geometria, pôde calcular as distâncias que, com precisão de 5%, coincidiram com os dados.
A visão de Kepler nada tem a ver com a realidade; hoje, o número de planetas é 8 e não 6, e suas distâncias são determinadas pela história de formação do Sistema Solar.
Curiosamente, o sonho de Pitágoras e Kepler realizou-se na física atômica. As órbitas dos elétrons em torno do núcleo atômico obedecem a padrões geométricos semelhantes aos de cordas vibrando: cada órbita está relacionada a um padrão e tem uma energia associada; o elétron só pode estar nessas órbitas, espaçadas descontinuamente.

Ao contrário das órbitas planetárias, as órbitas eletrônicas e suas distâncias não são consequência da história do átomo, mas fixas matematicamente, justamente o que Pitágoras e Kepler queriam.

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