domingo, 24 de agosto de 2003

Um mundo de cordas

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A física moderna sofre de um sério problema matrimonial: suas duas teorias mais fundamentais, a teoria da relatividade geral de Einstein -que descreve a gravidade- e a mecânica quântica -que descreve os átomos, as partículas elementares da matéria e suas interações-, são incompatíveis.

O problema vem da grande diferença de intensidade entre a gravidade e as outras três forças que regem o comportamento das partículas elementares, a força eletromagnética e as forças nucleares forte e fraca. A gravidade é muito mais fraca, tendo um papel irrelevante na interação entre os tijolos fundamentais da matéria, ao menos nas energias que podemos testar até agora.
Essa diferença entre as forças da natureza leva a uma série de questões. Primeiro, por que ela existe? Deve haver um motivo para tal. Segundo, será que essa diferença não muda quando estudamos o comportamento da matéria a altas energias, bem mais altas do que as que experimentamos em nosso dia-a-dia? Terceiro, será que essas forças e seu comportamento têm alguma relação com o número de dimensões do espaço?

Einstein, durante as três últimas décadas de sua vida, dedicou-se à busca de uma teoria unificada das forças, na época apenas a gravidade e o eletromagnetismo. Segundo ele, seguindo um veio filosófico inspirado por idéias platônicas, a natureza, em sua essência, deve ser simples, e sua ordem, expressa geometricamente. Ou seja, a geometria deve ter um papel básico na descrição da ordem e da simetria que há na natureza. Mesmo nas simetrias que não são aparentes aos olhos, como a simetria matemática entre as forças que regem os processo naturais envolvendo as partículas de matéria.

Einstein não conseguiu obter a teoria unificada, mas seus esforços originaram uma busca que continua até hoje. Sem dúvida, ele mal reconheceria as teorias unificadas atuais. A mais importante, a teoria das supercordas, pressupõe um Universo existindo em dez dimensões (ou 11, dependendo da versão da teoria), onde as entidades fundamentais da matéria não são partículas, mas cordas minúsculas e muito finas.

Essas teorias foram desenvolvidas nos anos 60 para explicar o estranho comportamento dos quarks, que compõem as partículas que interagem através da força nuclear forte, incluindo o próton e o nêutron. Um próton é formado por três quarks que nunca são vistos isoladamente. Pense nele como uma laranja e nos quarks como sementes que jamais podem ser extraídas de seu interior. As cordas foram originalmente criadas para explicar esse comportamento bizarro, chamado de confinamento.

Logo em seguida, nos anos 70, se descobriu que as cordas poderiam ser generalizadas para explicar tanto as partículas de matéria quanto as partículas que transmitem as interações entre as partículas de matéria, as chamadas partículas de força. Um exemplo de partícula de força é o fóton, que transmite a força eletromagnética entre duas partículas com carga. Tais como cordas normais, essas cordas fundamentais podem vibrar de vários modos, cada um deles com uma determinada energia. As partículas existentes são associadas aos vários modos de vibração das cordas.

Um dos modos de vibração das cordas é equivalente às partículas que transmitem a força gravitacional, os grávitons. Ou seja, as cordas podem, em princípio, descrever todas as forças da natureza a partir dos padrões geométricos de suas vibrações. Mais ainda, elas só fazem sentido em dez dimensões, nove espaciais e uma temporal (ou 11, nas "teorias-M", que reúnem os cinco tipos possíveis de supercordas). Isso pode explicar qual a dimensionalidade do espaço.
A resposta que temos, três, é devido à observação de que vivemos em três dimensões. Se existem outras, elas são menores do que podemos detectar. Compreender isso como consequência de uma teoria sobre a estrutura material do mundo é ligar, de modo profundo, o espaço e o tempo com a matéria.

Só resta agora o teste experimental. Qualquer teoria, por mais bela, tem de ser testada. Até agora, não existe indicação alguma de que a teoria das supercordas seja verdadeira. Mas nos próximos anos isso pode mudar, com novos experimentos em andamento capazes de comprovar a realidade das supercordas e resolver o casamento da relatividade com a mecânica quântica. Ou não.

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