domingo, 8 de junho de 2008

O dilema da escuridão cósmica



A especulação desenfreada faz a física virar metafísica

As ciências são baseadas em medidas e hipóteses construídas para explicá-las. A história de como essas hipóteses variaram desde os primórdios do pensamento científico está intimamente ligada à nossa capacidade de medir as propriedades da natureza com precisão crescente.

Mas o que ocorre quando não conseguimos medir com precisão suficiente, quando não dispomos de tecnologia para diferenciar as hipóteses plausíveis e demonstrar qual é a correta? Essa é uma questão de grande importância no desenvolvimento das teorias científicas. Talvez não seja exagero dizer que estamos passando por um momento de crise na física e na astronomia, onde não dispomos de dados para discernir dentre teorias que visam explicar o mesmo fenômeno.

Não só não dispomos de tecnologia no presente, como possivelmente não a teremos por décadas. O perigo, quando esse tipo de situação ocorre, é nos perdermos nos labirintos da especulação desenfreada, transformando física em metafísica.

Em geral, o que ocorre é o oposto: novas tecnologias revelam novos fenômenos, que requerem novas teorias para serem explicados. E, de fato, foi assim que a presente crise começou.

Em 1998, dois grupos de astrônomos descobriram uma anomalia na expansão do Universo. Desde 1929, sabemos que as distâncias entre as galáxias estão aumentando de acordo com uma lei bem simples, a chamada Lei de Hubble: as velocidades de afastamento das galáxias crescem linearmente com a sua distância: quanto mais longe a galáxia, maior a sua velocidade. Isso vem ocorrendo desde a origem do Universo, há 13,8 bilhões de anos.

Usando telescópios poderosos e técnicas avançadas de análise de dados, os astrônomos mostraram que, de 5 bilhões de anos para cá, a expansão cósmica passou a acelerar, como se uma espécie de antigravidade estivesse afastando as galáxias umas das outras ainda mais rapidamente do que prevê a Lei de Hubble. A causa responsável recebeu o nome de energia escura.

Imediatamente, hipóteses baseadas em processos físicos completamente diferentes foram propostas para explicar as novas observações. Até aí tudo bem, assim caminha a ciência.
O problema é que, passados 10 anos, ainda não temos como diferenciar qual é o caminho mais correto. E a possibilidade de termos novas tecnologias capazes de fazer isso nas próximas duas décadas não é boa.

Numa das explicações, uma espécie de fluido permeia todo o cosmos, idéia muito semelhante ao venerado éter da filosofia de Aristóteles, a quinta-essência que, segundo o grande pensador grego, preenchia o espaço, tornando-o pleno. Esse fluido, hoje chamado de "constante cosmológica", reapareceu com Einstein que, em 1917, usou-o em seu modelo cósmico.

Outra explicação afirma que o cosmo é preenchido por uma espécie de matéria difusa que, ao contrário da constante cosmológica, pode variar no espaço e no tempo, mesmo que discretamente. Ainda outra afirma que a teoria da gravidade de Einstein tem que ser modificada. Uma dessas três explicações -ou talvez outra, desconhecida- está certa. Mas qual?
A questão é, sem dúvida, abstrata. Mas faz parte da tentativa milenar de explicarmos o mundo em que vivemos e qual o nosso lugar nele. Do esforço, novas tecnologias serão desenvolvidas e novas idéias sobre o cosmo surgirão.

Ao contrário do que possa parecer, crise é coisa boa em ciência. Pelo menos aquelas que podem ser resolvidas. Apostando na nossa inventividade, acredito que encontraremos a resposta para o mistério da energia escura. Muito possivelmente, ela surpreenderá a todos.

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