domingo, 2 de dezembro de 2007

O despertar de uma nova era



Parece que o debate sobre embriões já é desnecessário


D ia 21 de novembro, jornais do mundo inteiro anunciaram uma descoberta absolutamente fantástica: cientistas conseguiram criar células-tronco a partir de células da pele. Alguns chegaram até a comparar o evento ao vôo dos irmãos Wright com seu "primeiro" avião. Ou seja, uma nova tecnologia capaz de transformar o mundo. (As aspas são um lembrete de que a pessoa que fez essa asserção é, obviamente, norte-americana. Pois nós, brasileiros, sabemos que essa glória pertence ao nosso Santos Dumont.)

Vale lembrar que a importância das células-tronco vem da sua capacidade de se transformar nas células de todos os tecidos do corpo humano; musculares, nervosas, ósseas etc. Com isso, elas podem ser usadas para gerar tecidos novos, saudáveis, em pessoas afligidas por vários males, da doença de Parkinson e outras enfermidades degenerativas do sistema nervoso à diabetes. As células-tronco são uma espécie de pan-célula, uma célula que é potencialmente todas as células. Basta que seja dirigida nessa ou naquela direção, como trens em trilhos.

É justamente desse poder de transformação das células-tronco que nasce a controvérsia que tem marcado a pesquisa nessa área da biologia. Não é à toa que as células-tronco são encontradas em embriões; afinal, nesse estágio primitivo da vida é necessário justamente ir do mais geral ao mais especializado, que é o que as células-tronco são capazes de fazer. A questão que é levantada em debates que vão do ético e religioso ao político vem do fato que a extração dessas células de embriões acaba por destruí-los. Posições mais conservadoras afirmam que isso é equivalente a assassinar um ser humano, um crime. O governo norte-americano bloqueou fundos de pesquisa que envolvam a destruição de embriões.

No Brasil, o uso de embriões está sendo questionado pelo Ministério Público Federal no Superior Tribunal de Justiça. Toda uma revolução na medicina tem que esperar pela nossa lenta evolução moral. E a controvérsia continuou mesmo após cientistas afirmarem que extrairiam células-tronco apenas daqueles embriões que seriam destruídos de qualquer forma nas clínicas de fertilização.

Agora, parece que esse debate torna-se desnecessário. Ao conseguir transformar células da pele em células-tronco ou, ao menos, em células que tem o mesmo potencial de transformarem-se em células de vários tecidos do corpo humano, a questão "criminal" imediatamente desaparece.

Se as técnicas vingarem -e tudo indica que vingarão- qualquer pessoa poderá ter o seu kit de células-tronco, para ser usado em caso de necessidade, sem preocupações éticas. A técnica utilizada demonstra a incrível sofisticação da pesquisa em genética: vírus foram usados para reativar quatro genes adormecidos numa célula da pele, essencialmente reprogramando a sua função. Meio parecido com o que é feito com programas de computador quando são editados.
Existem, claro, muitos desafios técnicos pela frente: alguns dos genes sofrem mutações cancerígenas, outros causam tumores; a margem de sucesso ainda é relativamente pequena. Mas a pesquisa científica é assim mesmo, sempre obscura no início.

A descoberta alivia o peso político que pontua a questão do uso medicinal das células-tronco. Mas, a meu ver, o debate ético permanecerá. Toda nova tecnologia tem seu lado luminoso e seu lado sombrio. Será fácil manipular não só os genes mas o medo que as pessoas têm do novo. Infelizmente, a história nos mostra que toda grande revolução do conhecimento encontra forte resistência daqueles que preferem viver no passado.

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