domingo, 11 de abril de 2004

O futuro da corrida espacial


Marcelo Gleiser
especial para a Folha

Telescópio Espacial Hubble, instrumento científico mais popular das últimas décadas, está com seus dias contados. Como qualquer máquina, o telescópio orbital precisa de manutenção. Suas baterias solares e seus giroscópios -aparelhos que estabilizam a posição orbital e que são usados para seu redirecionamento- perdem a eficiência com o tempo. Até agora, a manutenção do Hubble vinha sendo feita por astronautas levados ao satélite pelos ônibus espaciais da agência espacial americana.

Conforme escreveu o físico Steven Weinberg na "New York Review of Books" (8 de abril de 2004), o Hubble deu à Nasa a melhor justificativa para o uso de vôos espaciais tripulados por humanos. Mas, como ele e muitos outros afirmam, essas missões de manutenção poderiam ter sido efetuadas por robôs. Pôr humanos no espaço é arriscado -vide os acidentes dos ônibus espaciais Challenger e Columbia- e muito mais caro. Tão mais caro que os custos ameaçam o futuro da exploração do espaço.

Recentemente, o presidente George Bush anunciou o seu plano de exploração espacial: construir uma base lunar até 2020 e de lá viajar até Marte.

O custo de tal empreitada foi estimado de forma conservadora em torno de 600 bilhões de dólares. Como, em geral, essas estimativas são sempre muito otimistas, o custo pode chegar a 1 trilhão de dólares. E de onde vem esse dinheiro? Principalmente da Nasa. O problema é que seu orçamento está sendo aumentado em apenas 5% ao ano. Conclusão: caso esse plano vá adiante, vários outros projetos da Nasa vão pagar a conta. Uma das primeiras vítimas deve ser o Hubble.
Dois dias após o anúncio do plano de Bush, a Nasa cancelou a missão de manutenção projetada para 2006. Sem ela, o telescópio espacial irá operar no máximo até 2009, quando outra missão (com custo de cerca de 300 milhões de dólares, caso seja tripulada) irá depositá-lo no fundo do oceano.

A possível morte do Hubble gerou um maremoto de protestos. Milhares de mensagens vêm sendo enviadas para o portal do telescópio, para a Nasa, para políticos. Alguém sugeriu privatizar o telescópio, vendê-lo para a Coca-Cola ou a Pepsi: a empresa pagaria pela manutenção do telescópio e, em troca, suas fotos trariam um pequeno logotipo de uma das bebidas no canto.

Outros disseram que, se o problema é que as missões com os ônibus espaciais são muito arriscadas, eles mesmos iriam em lugar dos astronautas. Ou, se o problema é dinheiro, que a Nasa peça doações para o público.

Nada disso estaria ocorrendo se a ênfase da corrida espacial fosse em explorar o espaço, e não em explorar o espaço com humanos. Inúmeras missões, incluindo o Hubble, mas também os robôs agora em Marte, os satélites que vêm mapeando as propriedades do Universo em microondas, raios X, raios gama, ultravioleta etc., foram todas robotizadas. Seus custos são incomparavelmente menores do que missões tripuladas. E os riscos, claro, não envolvem vidas humanas.

Do ponto de vista científico, missões tripuladas são praticamente inúteis. Por exemplo, tudo que os astronautas fizeram na Lua com as missões Apollo poderia ter sido feito com robôs. Claro, o romance não teria sido o mesmo, e eu mesmo sou defensor da exploração do espaço por humanos. Mas não agora e não unilateralmente, como querem fazer os EUA. Talvez essa unilateralidade seja a grande culpada. A corrida espacial é vista como símbolo de hegemonia tecnológica e, portanto, explorada politicamente.

E a retórica do "homem desbravador de fronteiras" ajuda a convencer o público de que explorar o espaço é importante, garantindo assim os enormes contratos para empresas de tecnologia aeroespacial. Dividir a exploração espacial com o mundo significa sacrificar essa hegemonia, perder o apoio da opinião pública e a conseqüente alocação de fundos federais para empresas privadas.

O que fazer? Parece-me que existem dois caminhos. Um é continuar a robotização da exploração espacial, que pode ser feita com fundos que já existem. O Hubble, mesmo sendo um robô, cativou o mundo. Outro seria globalizar a exploração humana do espaço. Afinal, a "última fronteira" é de todos, inclusive nossa. Mas isso significa despolitizar o espaço, o que pode ser mais romântico do que pôr um homem em Marte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário