domingo, 4 de abril de 2004

Mais um planeta?


Marcelo Gleiser
especial para a Folha

No dia 16 de março, um time de astrônomos liderados por Michael E. Brown, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, anunciou a descoberta de um novo membro do Sistema Solar, o "pequeno planeta 2003 VB12, cujo nome popular é Sedna". Sedna é uma deusa dos esquimós que vive em uma caverna gelada no fundo do oceano Ártico.

A descoberta iniciou um acirrado debate entre os astrônomos. Sedna é o décimo planeta, ou apenas um grande asteróide? A resposta depende de como se define planeta. E essa definição não é nada trivial. Dependendo do que for decidido pela União Astronômica Mundial, e isso pode demorar mais de uma década, mesmo Plutão pode perder o seu status de planeta. (Pouco provável.)

Pode-se dizer que planeta é um corpo esférico que gira em torno do Sol em órbitas aproximadamente circulares. Todos os nove planetas são aproximadamente esféricos. Sedna também é, o que pode ajudar em seus status de planeta. Mas alguns grandes asteróides também são esféricos e não são considerados planetas. São necessários outros critérios.

"Órbitas aproximadamente circulares" porque órbitas não são circulares, mas elípticas. O alongamento de uma elipse, sua distorção em relação a um círculo perfeito, é chamado de excentricidade. Portanto, um círculo tem excentricidade nula, enquanto órbitas de cometas podem ter excentricidades muito grandes, refletindo suas órbitas alongadas em torno do Sol.
Em termos de excentricidade, Mercúrio e Plutão são já bem diferentes dos outros planetas. Há quem diga que ambos têm excentricidades muito grandes para serem considerados planetas. A excentricidade de Plutão é quase 28 vezes maior que a de seu vizinho Netuno.

Outro problema é a inclinação com relação ao plano eclíptico. Esse plano vem do fato de o Sistema Solar estar arranjado feito uma pizza: os planetas giram em torno do Sol em um plano achatado. Novamente, Mercúrio e Plutão são os rebeldes: Mercúrio está a 7 de inclinação em relação ao plano, enquanto Plutão está a 17,2. Alguns acham que isso deveria expulsar Plutão do time dos planetas.

Sedna é ainda mais controverso. Sua distância da Terra é hoje de mais de 13 bilhões de quilômetros, três vezes maior do que a de Plutão. Astrônomos estimam que Sedna tenha 3/4 do tamanho de Plutão. Considerando que o raio de Plutão é 18% do raio da Terra, Sedna é bem pequeno. Ainda assim, é o maior integrante do Sistema Solar após Plutão, o que ajuda em seu status de planeta.

Sua órbita é incrivelmente excêntrica: em seu ponto de maior proximidade do Sol, Sedna está 76 vezes mais distante do que a Terra. Plutão está 30 vezes. Em seu ponto de maior distância do Sol, está 880 vezes mais distante do que a Terra. Plutão está 49,3 vezes. Ou seja, julgando pela sua excentricidade, Sedna tem mais cara de cometa do que de planeta. Ele demora 10.500 anos para completar uma órbita em torno do Sol. Plutão demora 248.

Cometa ele não é. Sua superfície, ao contrário da dos cometas, não está coberta por materiais gelados típicos de cometas, como amônia, hidrogênio, água e metano. Aliás, sua superfície é quase tão vermelha quanto a de Marte, algo bem misterioso. Astrônomos ainda não conseguiram analisar sua composição química para determinar de onde vem essa cor vermelha.
Outro problema é como Sedna foi parar em sua estranha órbita, tão longe do Sol quando comparada com a de outros planetas, mas tão perto quando comparada com a de cometas de órbita alongada. Isso porque cometas são provenientes de duas regiões do Sistema Solar, espécies de berçários de cometas. Uma, o cinturão de Kuiper, fica um pouco além da órbita de Netuno. Outra, a nuvem de Oort, fica bem mais longe, o berçário dos cometas de órbita alongada, a mais de 10 mil vezes a distância entre Sol e Terra.

Sedna fica no meio. Uma hipótese é que ele tenha sido posto nessa órbita por uma estrela vizinha ao Sol, durante a formação do Sistema Solar. Qualquer que seja a explicação ou o status final de Sedna, fica a lição: quem acha que ciência tira o mistério da natureza, veja como, ao contrário, é ela que nos apresenta sempre novas questões e desafios que ampliam a compreensão do Universo em que vivemos.

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