domingo, 18 de abril de 2004

Desta vez foi por pouco

Marcelo Gleiser
especial para a Folha

Recentemente, dois eventos astronômicos reanimaram temores apocalípticos, como os retratados nos filmes "Armageddon" e "Impacto Profundo": colisões catastróficas entre asteróides ou cometas e a Terra.

No dia 13 de janeiro, um astrônomo trabalhando para o Linear (Lincoln Near Earth Asteroid Research Program, ou Programa Lincoln de Busca por Asteróides Próximos da Terra) detectou um novo asteróide. Fez quatro imagens do objeto em momentos diferentes, numa tentativa de compor a sua órbita.

Isso tudo é rotina e faz parte do Programa Spaceguard Survey, que reúne vários observatórios dedicados à caça de asteróides com diâmetros de pelo menos um quilômetro. O objetivo é observar as suas órbitas, certificando-se de que nenhum irá colidir com a Terra.

Por que asteróides com pelo menos um quilômetro de diâmetro? Por dois motivos. Primeiro, porque, quanto maior o asteróide, mais fácil é achá-lo no espaço. A tarefa dos astrônomos não é nada fácil: é como detectar um mosquito a quilômetros de distância.

Segundo, porque asteróides com mais de um quilômetro de diâmetro podem causar sérios danos ao planeta Terra, inclusive ameaçando a sobrevivência de grande parte da humanidade. É bom lembrar que foi um asteróide que precipitou a extinção dos dinossauros há 65 milhões de anos. (Rumores recentes questionando essa conclusão são extremamente duvidosos.)

Existem mais de 1.100 asteróides dessas dimensões circulando pelo Sistema Solar. Metade deles já foi catalogada, e nenhum até o momento apresenta perigo de colisão com a Terra. A outra metade, graças ao trabalho do Spaceguard, deverá ser catalogada até 2008.

O astrônomo Tim Spahr, do Linear, enviou seus dados para um portal especializado e foi jantar. Passada uma hora, o astrônomo amador europeu Reiner Stoss viu os dados de Spahr e concluiu que o asteróide, então chamado de AL00667, estaria seis vezes mais próximo da Terra em um dia.

Stoss enviou mensagem para um grupo de caçadores de asteróides. As observações indicavam que o asteróide era pequeno, com 30 m de diâmetro. Objetos desse tamanho podem explodir ainda na atmosfera, tendo pouco efeito sobre a superfície. Mas, se a explosão ocorrer em baixa altitude e sobre área habitada, eles podem causar grandes danos e perda de vida. Em 1908, um explodiu sobre a Sibéria, devastando dezenas de quilômetros quadrados de floresta.

A essa altura, outro astrônomo, Alan Harris do Instituto de Ciências Espaciais em Boulder, no Colorado (EUA), checou os dados da órbita. Concluiu que, caso estivesse correta, o asteróide iria se chocar com a Terra em um dia. Nervoso, Harris ligou para o chefe do programa de detecção de asteróides da Nasa (agência espacial dos EUA), Don Yeomans.

Em conjunto com outros astrônomos, Yeomans concluiu que o asteróide tinha 25% de chance de colidir com a Terra. Jamais astrônomos haviam chegado a esse tipo de margem de risco. E certamente não com apenas um dia de aviso prévio.
Um certo pânico se espalhou entre os astrônomos. Eram necessárias mais observações para confirmar se o risco era mesmo tão alto. Para piorar a situação, os céus se cobriram de nuvens, as grandes inimigas dos astrônomos.

Finalmente, na madrugada do dia 14, astrônomos buscaram pelo asteróide no local onde ele deveria estar, caso fosse mesmo se chocar com a Terra. Não estava. Ainda bem, pois observações posteriores mostraram que o asteróide é muito maior, com 500 m de diâmetro. O susto foi tão grande que a Nasa preparou um plano de comunicação para o caso de um asteróide entrar em rota de colisão com a Terra.

No dia 18 de março, outro asteróide passou perto. Aliás, mais perto do que qualquer outro já observado. Com 30 m de diâmetro, passou a apenas 43 mil quilômetros de distância, ou 3,4 diâmetros terrestres. Aqui, a novidade não foi que o asteróide tenha passado assim tão perto -estima-se que isso ocorra uma vez a cada um ou dois anos-, mas que tenha sido detectado, o que é um bom sinal.

O Sistema Solar é cheio de detritos, materiais que não se juntaram a planetas ou luas em sua formação. As colisões com a Terra são raras, mas ocorrem. Esses dois episódios provam que não ter um plano de defesa é, no mínimo, arriscado.

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