domingo, 3 de agosto de 2008

O céu embaixo da Terra



Existe uma astronomia que se enterra para estudar os astros

Quando se pensa em astronomia e astrônomos, a primeira imagem que temos é a de um sujeito sozinho no seu observatório no alto de uma montanha, com o olho fixo na lente de seu enorme telescópio. Existe algo de romântico nessa visão, o homem em busca de uma compreensão mais profunda do Universo, armado apenas de seu instrumento e de sua criatividade.

Não há dúvida de que essa imagem do astrônomo foi inspirada pela prática da astronomia que, tradicionalmente, era mesmo feita assim. Porém, com a automatização dos telescópios e a digitação de sua óptica, hoje controlada por CCDs acoplados a computadores ultra-rápidos, poucos astrônomos precisam ir até seus observatórios para colher dados para pesquisa.

Um exemplo extremo dessa automatização é o Telescópio Espacial Hubble, um dos instrumentos científicos mais bem-sucedidos da história, que é operado inteiramente da Terra por controle remoto. O Hubble não passa de um robô extremamente sofisticado, desenhado para colher imagens de alta precisão de objetos celestes próximos e muito distantes.

Assim como ele, existem muitos outros robôs observatórios colhendo dados em regiões do espectro eletromagnético além das que nos são visíveis. Um exemplo recente é o observatório espacial Glast, que estuda a radiação eletromagnética (RE) mais energética, os raios gama. De passagem, menciono que um dos operadores principais do Glast é o físico brasileiro Eduardo do Couto e Silva (tema da coluna de 15 de junho de 2008).

Mas existe outro tipo de astronomia que, paradoxalmente, para estudar o que existe nos céus, é realizada embaixo da Terra. Para entendermos como isso é possível, é bom lembrar que a luz, os raios X, os raios gama e as várias outras formas de RE são compostas de partículas chamadas fótons. Os telescópios que captam a luz, os raios gama ou outros tipos de RE são, na verdade, detectores de fótons, como se fossem redes de pesca desenhadas para apreender essas partículas.

Só que os fótons não são as únicas partículas que existem nos céus. Pelo contrário, muitas outras "chovem" continuamente sobre nós. A maioria faz parte dos chamados raios cósmicos, compostos principalmente de prótons, elétrons e múons, que são elétrons mais pesados. Outras são os neutrinos, as "partículas-fantasma", produzidas no coração do Sol. Neutrinos são capazes de atravessar a matéria normal como se fossem fantasmas.

Paredes ou mesmo a Terra inteira não são obstáculos para eles. Algumas partículas, como os elétrons e os múons, também penetram a matéria por boas distâncias. Portanto, para estudar os neutrinos sem a interferência de outras partículas, físicos usam cavidades subterrâneas, em geral minas abandonadas. Nelas, montam seus "telescópios", detectores capazes de identificar as raras colisões de neutrinos com a matéria comum.

Existem outras partículas cruzando o espaço ainda mais misteriosas do que os neutrinos. Delas sabemos apenas que não são como a matéria comum. Elas não produzem RE, como fazem os elétrons. Portanto, não brilham, sendo conhecidas como "matéria escura". Sabemos que existem apenas porque sua massa afeta o comportamento das galáxias pela gravidade. Cada galáxia tem uma espécie de véu de matéria escura, com uma massa que chega a ser dez vezes maior do que a massa de todas as suas estrelas.

A matéria escura também é caçada em observatórios subterrâneos. Até agora, nenhuma candidata foi detectada, o que causa uma certa ansiedade nos físicos. Mas também aumenta o seu fascínio. Vivemos numa realidade dominada pelo que nos é invisível.

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