domingo, 2 de novembro de 2008

Chuva cósmica



O grande mistério hoje são os raros raios com alta energia

Físicos gostam de drama. São os fenômenos com maior energia, os que ocorrem no coração dos átomos ou nas maiores distâncias cósmicas, que expõem alguns dos segredos mais fascinantes do mundo natural. Dentre esses, os misteriosos raios cósmicos estão na linha de frente.

Tudo começou em 1912, quando o físico austríaco Victor Hess subiu num balão para examinar se existia radiação na atmosfera. Destemido como um explorador do Ártico, de seu balão Hess investigou a quantidade de radiação até altitudes de 5,3 km. Sua descoberta foi sensacional: não só existia muita radiação na atmosfera como, a altitudes de 5 km, seu nível era duas vezes maior do que na superfície. A chuva de partículas vinha do espaço. Daí o nome: raios cósmicos.

Após décadas de muitos vôos de balão e detectores nos picos de montanhas, ficou claro que a maioria dos raios cósmicos são elétrons ou núcleos atômicos, principalmente de hidrogênio, que consiste de um próton.

A maioria dessas partículas originam-se no Sol ou na nossa galáxia e são aceleradas por campos magnéticos. Quando colidem com as moléculas de ar na parte superior da atmosfera, provocam um verdadeiro chuveiro de partículas, às vezes bilhões delas.

Muitas chegam até a superfície da Terra, onde podem ser detectadas.

Observações mostram que raios cósmicos chegam com grande variação nas suas energias. Alguns atingem energias dezenas de milhões de vezes maiores que as dos aceleradores de partículas mais poderosos na Terra.

Existem duas perguntas importantes: de onde vêm os raios cósmicos e como são acelerados. Os de energias mais baixas, como vimos, são originados no Sol; os de energias medianas, em explosões de supernovas na nossa galáxia -que marcam a morte de estrelas. O grande mistério hoje são os raros raios cósmicos superenergéticos. Quais mecanismos podem acelerá-los às suas energias gigantescas?

De que canto do Universo eles vêm?

Entra em cena o Projeto Auger. No nordeste da Argentina, mais de 1.300 tanques de água, cada um com 12 mil litros, cobrem uma área de 3.000 quilômetros quadrados. Dentro de cada tanque, detectores sensíveis à radiação medem a passagem das partículas criadas pelos raios cósmicos, registrando suas energias e sua direção.

O projeto é uma operação internacional, envolvendo centenas de físicos de mais de 70 instituições espalhadas pelo mundo. Físicos brasileiros têm um papel extremamente importante.
Dentre dezenas de cientistas, Carlos Escobar, pesquisador da Unicamp, é o coordenador da colaboração nacional, enquanto que Ronald Shellard, da PUC-Rio e do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), é membro oficial do conselho internacional.

Semana passada, dei um colóquio na Universidade de Chicago. Lá, minha amiga brasileira Angela Olinto me convidou para uma reunião do grupo local do Auger. Angela é uma das pessoas-chaves na elaboração de modelos teóricos que visam explicar a origem dos raios cósmicos superenergéticos.

De quebra, o prêmio Nobel Jim Cronin, que junto com Alan Watson, da Inglaterra, foi o pioneiro do projeto, estava presente. Em novembro de 2007, a colaboração publicou uma descoberta crucial: os raios cósmicos mais energéticos parecem vir de fora da Via Láctea, provavelmente de núcleos de galáxias com buracos negros gigantescos. "Foi capa da revista Science", disse Angela empolgada. "O próximo passo é construir outro observatório no hemisfério Norte, ainda maior. Com mais dados, acho que resolveremos de uma vez por todas esse mistério." O clima de entusiasmo na sala não deixava dúvida de que é apenas uma questão de tempo.

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