segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Ciência e Espiritualidade: um breve manifesto

A união de dois mundos opostos é possível?
A mágica da vida reside nela mesma


Na opinião popular, o título deste texto representa um paradoxo. Ciên­cia e espiritualidade habitam mundos dife­rentes, que em geral entram em conflito ao se aproxinarem. A primeira é vista como uma atividade exclusivamente racional, reducinista, materialista e fria, sem qualquer interesse por questões espirituais. Já a segunda é bem mais difícil de ser definida, representa uma busca pessoal, uma rela­ção com uma realidade que transcende o imediato, que nos conecta com o que vai além do material. Por isso a espiritualidade é considerada a antítese da ciência.

Para piorar, a busca espiritual costuma adotar uma posição que não só é contrá­ria ao materialismo científico, mas que o confronta. Ela passa a ser quase que uma "vingança" para quem está desiludido com um mundo cada vez mais explicável, des­tituído de mágica e poesia.

O movimento romântico do início do século 19 foi uma resposta direta ao racionalismo extremo do século 18. O poeta John Keats acusou Isaac Newton de ter "desfiado o arco-íris", deter roubado a sua beleza com suas expli­cações precisas sobre o comportamento da luz. Nada poderia ser menos verdadeiro.

Quem fecha os olhos para as des­cobertas da ciência moderna e se fia na ocorrência de fenômenos sobrenaturais, paranormais, astrológicos, quem acredita que duendes povoam florestas, quem jura que almas circulam pelo mundo dos vivos sem serem percebidas, faz o mesmo que o poeta: nega-se a apreciar a poesia e a beleza que a ciência nos revela, preferindo pensar como nossos antepassados. E sua crueldade é explorada por oportunistas.

Existe mágica de sobra no mundo que podemos ver com nossos olhos e com os instrumentos que inventamos para ampliar ­ a nossa visão da realidade. Não é preciso se fiar numa realidade invisível e sobrenatural, cuja existência depende de relatos individuais e que é sujeita à fé. Quando queremos muito acreditar em algo, isso se toma mais real. O querer acreditar compromete nossa habili­dade de decidir imparcialmente - ou quase - se uma asserção é ou não verdadeira.

Se meu pai está doente e a medicina moderna não pode fazer nada por ele, por que não levá-lo a um curandeiro, alguém com supostos poderes de exercer curas milagro­sas e inexplicáveis? A morte assusta, foge ao nosso controle, rouba aqueles que amamos. É difícil aceitar a postura materialista de que ela é mesmo o fim, que essa faísca que anima a matéria e nos faz amar e chorar se esvai por completo num piscar de olhos. Nosso dilema é termos consciência de que temos os dias contados. Aceitar esse fato é tão difícil que fazemos de tudo para driblá-lo, criando meca­nismos que vão além do que podemos provar. Talvez isso ajude muitos a aceitarem seus des­tinos. O triste é que os que estão convictos da existência dessa dimensão sobrenatural fechem os olhos para o que a ciência mostra.

Prefiro viver de olhos bem abertos e acei­tar a pré-condição da vida, a não-vida. lgnorar o que a natureza nos mostra todos os dias é viver menos, é se apegar a contos de fadas para evitar o confronto com a nossa condição humana. Saber morrer é saber viver, é saber aceitar o quanto são preciosos esses breves momentos que temos para amar, chorar, apreciar a beleza do arco-íris, vibrar com um gol e ter medo de perder quem amamos. É na brevidade da vida que reside o seu segredo: saber viver sem medo de morrer. Isso não é nada fácil, e não acredito que tenha conquis­tado o meu próprio medo. Mas prefiro viver com ele a me iludir com algo que nunca saberei se está certo ou não.

Ninguém gosta da idéia de morrer ou to de sofrer. Ninguém gosta de ver o sofri­mento de tantos no mundo. Porém, se a alternativa é achar que tudo isso vai ser diferente no "além", que forças ocultas regem nossas vidas e podem ser contro­ladas por meio de crenças místicas, ela me parece criar uma sociedade que não enfrenta os desafios que tem pela frente, escondendo-se nas promessas de um mundo inescrutável e inexistente.

Para mim, a mágica ocorre a cada momento em que estamos vivos, que podemos amar e sofrer, que podemos refletir sobre quem somos e sobre como podemos melhorar as nossas vidas e as dos que estão à nossa volta. Perceber essa mágica é abraçar a espiritualidade da ciên­cia. Com ela aprendemos quem somos e como nos relacionamos com o mundo e com o Universo. Entre os caminhos que temos para enfrentar nossos desafios, não vejo outro que possa mostrar o quanto a vida é preciosa e rara, que celebre deforma mais clara a mágica da existência.

6 comentários:

  1. Somos um espelho, capaz de refletir uma dualidade fascinante sobre tudo e todos ao nosso redor, do nosso interior ao mundo exterior, dois mundos que se interagem pela tênue camada da nossa consciência, no campo religioso ou científico, pode haver espaço para ambos, porém decidir em qual será refletido a maior porção de nossas vidas, de nosso pensamento, será a questão fundamental de nossa exitência.

    ResponderExcluir
  2. Não me satisfaz a afirmação de que ciência e o que você chamou de espiritualidade são noções antagônicas. É bastante visível na contemporaneidade a coexistência de multiplas formas de interpretação do mundo, ou seja, de conhecimentos. A crise da razão, que em Nietzsche teve seu crítico mais perigoso, consolidou a possibilidade de formas marginais de conhecimento (denunciadas em boa parte pela filosofia e antropologia francesas atuais), num possível processo de desmantelamento do logocentrismo moderno, que por sua vez surgiu um oposição à monologia do mundo tradicional. Mais que isso, nos cabe interrogar a que lugar a predominancia do discurso científico nos levou.

    ResponderExcluir
  3. Em uma das reuniões da Mocidade Espírita Renovação e Atitude, fizemos uma dinâmica:
    Cada integrante explicaria o que seria Deus para ele, sem se ater à resposta escrita em O Livro dos Espíritos.
    Ficamos surpresos ao descobrir as definições distintas de cada um, sendo baseadas na experiência pessoal e "saber oculto" de cada integrante.
    Será que sua concepção de Deus não está baseada nos números ou na ciência, enfim, em todas as coisas que podem ser provadas?
    O que atualmente para mim é uma energia muito grande, a qual controla tudo, perderia sua magnitude e beleza se fosse expressa com outras palavras?
    Acho que a religião deve unir-se à ciência e apreciar todas as suas descobertas maravilhosas. Só não acho que deva ocorrer o contrário.

    ResponderExcluir
  4. Caro Marcelo,

    Acredito que existe uma proibição generalizada de levar a sério os fenômenos "psíquicos"
    ou "paranormais", afinal se eles acontecem, põem em dúvida a visão do mundo mecanicista que
    ainda constitui a ortodoxia da ciência institucional.Por isso são negados ou ignorados, pelo
    menos em público. Os céticos temem que se as teses paranormais ganharem terreno, a
    civilização científica seja tragada pelo ressurgimento da superstição e da religião.
    Percebo que a ciência clássica, mecanicista adota uma postura que considera tais
    fenõmenos como insensatos, aberrações oriundas da ignorância, do enfraquecimento do
    intelecto, quase uma pornografia intelectual.
    Espero que a física quântica junto com as grandes mentes humanas, livres de preconceitos
    possam por um fim ao abismo que
    existe entre a ciência e a espiritualidade.
    Como a única constante no universo é a mudança e nada permanece o mesmo nunca, sinto que
    algo monumental está sendo construido, como uma bela ponte, que unirá e equilibrará a
    ciência e a espiritualidade gerando grande benefício para a humanidade.

    ResponderExcluir
  5. Para não acreditar na espiritualidade,é preciso espricar o infinito,é preciso espricar o que havia antes do começo.A ciência ainda é um bebê, pouco sabe.Esse universo material que ainda estamos longe de conhecer, mais muito, muito longe ainda, não é nada diante do universo espiritual que é perfeito e pronto. Já o universo material é o verdadeiro caos o verdadeiro inferno de transformações.falta-lhe inteligência ainda para entender o espírito, a verdade o amor.Sos como formigas que não sabem que estão sendo observadas. O universo espiritual não só existe como é o único que é real.Já o material é criação do real que é indestrutivel, inabalavel e justo.O materialista é preguiçoso,não quer pensar,porque o pensamento é espiritual. Para estes realmente vai haver morte, porque o espírito depende também do nivel de conciência de cada um, É como não querer acordar.Um homem que não é deus veio já fazem mais de 2000 anos ensinou tudo e não entendemos nada,que desperdicio, não somos mais macacos acorda!!! Jesa Nideck

    ResponderExcluir
  6. Marcelo,
    Opostos antagônicos são complementares. Yin e Yang.
    A propria intencao dos principios da ciencia é limitar o tipo de experiencia que a mesma se considera apta a analisar portanto não "vê" o todo. Como pode querer explicar o todo enquanto ainda houver elementos desconhecidos na equação?
    Observe menos as estrelas e mais o céu.

    ResponderExcluir