domingo, 2 de julho de 2000

Medindo a força da gravidade

Todo mundo conhece a força da gravidade; ela não desiste nunca, fazendo tudo cair constantemente. Das quatro forças da natureza, que incluem a força eletromagnética, também nossa conhecida, e as forças nucleares forte e fraca, que só têm influência no interior do núcleo atômico, a força da gravidade é, de longe, a mais familiar. Por incrível que pareça, ela é, também, a menos familiar. Isso porque a gravidade é uma força extremamente fraca e, portanto, difícil de ser medida. "Mas como?", exclama o leitor, visivelmente irritado. "Tudo cai e ainda assim esses cientistas não conseguem medir a força da gravidade com precisão?". Pois é, leitor, a coisa é mais complicada do que parece. Repare como é fraca a força da gravidade: um ímã vagabundo, desses de refrigerador, é capaz de levantar um prego, vencendo a atração gravitacional da Terra inteira, com sua massa de 6 bilhões de trilhões de toneladas (ou 6 x 1021 toneladas, em notação científica)!

O inglês Isaac Newton demonstrou, no final do século 17, que a força da gravidade entre dois corpos é proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional à distância entre elas. O ponto é que, para obtermos uma relação exata, essa proporcionalidade deve ser multiplicada por uma constante, que nós chamamos de G. É essa constante que determina a intensidade da força gravitacional entre dois corpos. Imagine duas massas de um quilo cada, separadas por um metro. A atração gravitacional entre elas é determinada pelo valor da constante G; uma constante pequena reflete uma atração pequena, uma constante grande, uma atração grande. Medir a força da gravidade, portanto, é equivalente a medir G. E como a atração gravitacional entre dois corpos é muito fraca, medir G não é nada fácil.

A primeira medida de G foi efetuada por outro inglês, Henry Cavendish, um pouco mais de cem anos após Newton propor sua lei gravitacional. Ele usou um aparato conhecido como balança de torção, que pode ser visualizado como um pequeno alteres suspenso por uma linha de pesca. O sistema tem de estar isolado de influências externas, como variações de temperatura, ou pessoas. Em seguida, deve-se aproximar uma massa relativamente grande (uma bola de chumbo de 10 kg, por exemplo), até uma das extremidades do alteres. A atração entre as duas bolas fará com que elas se aproximem, girando o haltere de um certo ângulo. Daí podemos calcular G. Cavendish obteve um resultado comparável ao resultado atual com precisão de 1%. O valor atual é de G = 6,67390 x 10-11, em unidades apropriadas (ou seja: 6,67390/ 100.000.000.000). Ou, pelo menos, esse é um dos valores atuais.

A polêmica surgiu em 1994, quando um grupo alemão, após 15 anos de pesquisas (!), anunciou uma medida para G 0,5% maior do que o valor então aceito. 0,5% parece pouco, mas no mundo de altíssima precisão das medidas em física é um verdadeiro vexame. Outras constantes fundamentais da natureza, números que, como G, nos permitem modelar fenômenos naturais e extrair resultados quantitativos de nossas medidas, são conhecidas com enorme precisão. A constante de Planck, importante em processos atômicos, é conhecida com precisão de 1 parte em 10 milhões. A velocidade da luz é hoje tomada como exata. Já a precisão de G, é de apenas uma parte em mil. (O leitor pode consultar o portal www.physics.nist.gov para ver detalhes.)
Essas disparidades na medida da força que nos é mais familiar vêm provocando uma grande reação na comunidade científica; vários experimentos de alta precisão estão sendo desenhados para melhorar as medidas de G. Por que tanto interesse? Nossa medida da massa da Terra, e de qualquer outro objeto celeste, depende de G; a taxa com que uma estrela produz sua radiação, ou a própria expansão do Universo, também. Conforme Einstein demonstrou em 1916, G mede a curvatura do espaço devido à presença de objetos muito maciços, como o Sol ou, mais dramaticamente, buracos negros. Não existem motivos imediatos para melhorarmos nossas medidas de G. Mas quem está preocupado com isto? Medir as constantes fundamentais da natureza faz parte do processo de descoberta do mundo à nossa volta; talvez algum dia poderemos até entender a origem dessas constantes, ou por que a gravidade é tão fraca.

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