domingo, 6 de maio de 2001

A música das esferas

Durante o século 6 a.C., uma profunda revolução ocorreu na história da humanidade. Grandes pensadores apareceram em vários locais do mundo, propondo idéias que redefiniram o conhecimento. Na China, Lao-Tsé e Confúcio, na Índia, Sidarta Gautama -o Buda-, e, na Grécia, surgiram os primeiros filósofos pré-socráticos. Aliás, o primeiro dos pré-socráticos, Tales de Mileto, foi considerado por Aristóteles como o primeiro dos filósofos. Na Itália, apareceu uma outra escola do pensamento grego, fundada pelo legendário Pitágoras. Muitas das idéias que até hoje influenciam o pensamento ocidental surgiram dos milésios (nome dado aos seguidores de Tales de Mileto) e, principalmente, dos pitagóricos. Nós todos ouvimos falar do teorema de Pitágoras na escola, aquele que diz que a soma dos quadrados dos catetos de um triângulo retângulo é igual ao quadrado da hipotenusa. Para começar, parece certo que esse teorema não foi inventado pelo próprio Pitágoras, mas isso não é tão importante. O que Pitágoras e seus seguidores fizeram vai muito além desse belíssimo teorema. Para os pitagóricos, a estrutura do mundo natural, a ordem que percebemos nos fenômenos e objetos à nossa volta (e mesmo em nossas próprias mentes), pode ser reduzida a relações entre números. Em particular, números inteiros. Segundo fontes secundárias (nenhum dos escritos de Pitágoras sobreviveu), Pitágoras descobriu uma relação entre as notas musicais e os números inteiros examinando como diferentes notas são criadas em um instrumento de cordas, como a lira ou o monocórdio, uma espécie de violão com uma corda só. É fácil fazer o teste com um violão: para obtermos uma oitava mais alta, soamos a corda na metade de seu comprimento, isto é, na razão 2/1. Para uma quinta mais alta, soamos a corda a 2/3 de seu comprimento e assim por diante. Com isso, Pitágoras demonstrou a existência de uma profunda relação entre a música e a matemática. Mais ainda, são precisamente as notas que obedecem a essas razões entre números inteiros que são consonantes (esteticamente belas). A união criada por Pitágoras foi além da relação entre a matemática e as notas musicais, trazendo em si o conceito de harmonia, uma palavra aparentemente criada pelos pitagóricos. Pitágoras abriu o caminho para a ciência como uma descrição quantitativa da natureza, baseada em um arranjo racional dos números inspirado por noções estéticas. Para os pitagóricos, os números representavam a ponte entre a razão humana e a razão divina, a linguagem de codificação do mundo externo e interno. O seu objetivo era atingir o êxtase (outra palavra pitagórica) pela contemplação da dança dos números, a criação de ressonâncias entre as harmonias da natureza e as da mente. A idolatria de Pitágoras pela beleza das relações entre os números não se restringia à Terra. Para ele, o cosmo era um instrumento musical, cujas melodias eram entoadas pelo movimento dos planetas. As distâncias entre os planetas e a Terra obedeciam a razões entre números inteiros que podiam ser identificadas com as notas musicais. O cosmo ressoava com a harmonia das esferas, que aparentemente só Pitágoras podia ouvir (tanto Milton quanto Shakespeare escreveram poemas sobre a harmonia das esferas, mais de 2.000 anos após Pitágoras). A ciência, herdeira de Pitágoras, procura sempre por essa harmonia entre os números e o mundo natural. São incontáveis os exemplos de cientistas inspirados por uma visão essencialmente pitagórica do mundo, por um desejo de estabelecer novas pontes entre a razão humana e a natureza. E cada descoberta, por menor que seja, tem o seu lado de agonia e o seu lado de êxtase. É interessante que a própria idéia de ressonância ocupa um lugar essencial na física moderna, representando uma situação onde um sistema responde com tremenda intensidade a um estímulo causado por um agente externo a ele. É essa a ressonância que buscamos na natureza, nossas mentes tentando decifrar a música das esferas, em busca de uma harmonia maior com o cosmo em que vivemos.

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