domingo, 10 de dezembro de 2000

Elogio da razão pura

A ciência, como a religião, tem seus profetas, aqueles que enxergam mais longe do que outros, muito antes do que todos. Claro, as "revelações" vislumbradas pelos profetas da ciência não têm nada de sobrenatural, visto que elas se baseiam em uma combinação de lógica e de intuição, muitas vezes alimentadas por observações ou resultados experimentais.

Mas, em casos raros, esses profetas descrevem o que posteriormente se constatará ser verdade de forma tão inesperada que só posso chamá-los de visionários da ciência, os que enxergam sem precisar olhar. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) é um desses raros visionários da ciência.Kant é bem mais conhecido por sua filosofia do que por sua ciência, mesmo tendo sido igualmente fascinado por ambas.

Durante a juventude, eram o cosmos e a ciência newtoniana, com sua simplicidade e abrangência, que alimentavam sua imaginação. Para ele, como para muitos outros racionalistas do século 18, Deus era visto como o criador do Universo e de suas leis naturais, enquanto o homem era seu decodificador.Em 1755, com apenas 31 anos, Kant escreveu o tratado "História Universal Natural e Teoria dos Céus", dedicado a Frederico, o Grande, rei da Prússia. Kant esperava impressionar o rei o bastante para ganhar uma posição acadêmica em alguma universidade.

Infelizmente, seu editor foi à falência pouco antes de publicar o tratado, e Frederico jamais recebeu sua cópia. Nesse tratado encontramos verdadeiras jóias do pensamento kantiano e de sua belíssima visão cósmica.

A visão kantiana do Universo baseava-se numa hierarquia de estruturas que se repetia dos planetas às galáxias. Manifestação material do infinito poder criativo de Deus, o Universo replicava-se em todas as dimensões, das menores escalas às maiores.

Foi Kant quem sugeriu, antes de qualquer outro, que o Universo é composto por inúmeras galáxias como a Via Láctea, todas elas repletas de estrelas que, como o Sol, seriam rodeadas de planetas. Esses, por sua vez, rodeados por satélites. As mesmas estruturas, grosso modo, repetindo-se pelo Universo afora.

Kant imaginou um processo de formação para o Sistema Solar que, em muitos aspectos, sobrevive até hoje. Para ele, o sistema nasceu de uma nuvem de gás que se contraiu sob a própria gravidade.

No início era o caos, com átomos dispersos pelo cosmos. Instabilidades nessa matéria primordial atraíram mais matéria, criando uma combinação de movimentos de contração gravitacional e rotação. Na medida em que a recém-formada nebulosa encolhia e rodava, ela também se achatava nos pólos.Instabilidades locais, semelhantes às que geraram a grande nebulosa, criaram os planetas e seus satélites. Kant sabia que as órbitas planetárias se encontram todas praticamente num mesmo plano que atravessa o Sol, como um disco atravessando uma bola de tênis (não em escala).

Seu modelo reproduzia essas observações, ao menos qualitativamente. Aliás, essa é uma das críticas ao Kant cientista: que ele argumentou o Universo, ao invés de calculá-lo, como fez Laplace. Sua intuição era absolutamente cristalina, movida por uma visão teopoética do cosmos -razão inspirada pela emoção.

A visão de Kant foi além da formação do Sistema Solar e da repetição das hierarquias cósmicas. Também especulou, corretamente, que ciclos de criação e destruição pontuam a história do Universo.

Imaginou que a mesma matéria que cria planetas e cometas vai também destruí-los, já que "nos confins do tempo" tais objetos cairão no centro de suas órbitas. Kant imaginou que isso eventualmente criará uma "conflagração", explosão que reespalhará a matéria pelo cosmos, recriando o caos primordial.

Mais uma vez, pequenas instabilidades nessa matéria irão crescer, criando novos sóis e planetas, reiniciando a dança cósmica que Kant chamou de "Fênix da Natureza". Portanto, para Kant, o Universo repetia os ciclos de vida e morte das pessoas e de tudo na Natureza, com exceção da alma, fez questão de dizer, que é eterna. Sua obra, sem dúvida, é.

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