domingo, 14 de julho de 2002

Taxonomia galáctica


Reuters/Nasa - 5.abr.2001
Imagem do telescópio espacial Hubble mostra galáxia M51 interagindo com galáxia vizinha, no alto; gravidade da companheira influi na formação estelar na M51


Marcelo Gleiser
especial para a Folha A taxonomia, ciência da classificação, tradicionalmente serviu mais aos botânicos ou biólogos do que aos astrônomos. No entanto, a astronomia é cheia de classificações, que ajudam a arranjar os vários objetos celestes de acordo com as suas propriedades. Por exemplo, as estrelas são classificadas de acordo com a sua luminosidade, que se relaciona com a temperatura de suas superfícies. O Sol, com uma temperatura aproximada de 6.000C, é uma estrela amarela da classe G. O mesmo com Alfa Centauri A, a estrela mais próxima do Sol, que se encontra a uma distância de 4,3 anos-luz. Agora é a vez de as galáxias serem classificadas, de acordo com a sua forma, ou morfologia.

Antes de discutirmos a morfologia das galáxias, convém lembrar que até 1924 acreditava-se que só existisse uma galáxia no cosmo, a Via Láctea. Na verdade, nem se fazia uma distinção entre galáxia e Universo: a galáxia era o Universo. O astrônomo norte-americano Edwin Hubble mostrou que a Via Láctea era uma entre inúmeras outras galáxias, aglomerados de estrelas e gás isolados na vastidão cósmica. Hoje sabemos que existem centenas de bilhões de galáxias, cada qual com milhões ou até bilhões de estrelas. Sem dúvida alguma, essas descobertas nos forçam a repensar a nossa posição no cosmo: em 400 anos de ciência, passamos do centro à insignificância. Nossa razão de ser não deve ser encontrada em nosso posicionamento cósmico -besteira achar que quem está no centro é o mais importante-, mas, entre outras coisas, em nossa capacidade de compreender a natureza a ponto de podermos nos situar em um cosmo bilhões de trilhões de vezes maior que nós.

Voltando à taxonomia, durante a última década telescópios extremamente potentes, como o Telescópio Espacial Hubble e o telescópio Keck, no Havaí, permitiram um estudo detalhado dos variados formatos e propriedades das galáxias. Sabemos que as galáxias aparecem em três tipos diferentes: as elípticas, aglomerados de estrelas com pouco ou nenhum gás, têm formato esférico, como uma bola, ou ligeiramente alongado, como um dirigível. Elas são as galáxias de maior massa, formadas de estrelas mais velhas orbitando em torno do centro como abelhas em torno de uma colméia. Já os seus centros são ocupados por buracos negros gigantes, com massas milhões ou mesmo bilhões de vezes maiores do que a do Sol. As espirais, que incluem a Via Láctea e a nossa vizinha Andrômeda, têm uma região central também com um buraco negro circundada por braços que se estendem pelo espaço, ricos em gás e em estrelas jovens. Finalmente, as irregulares, que não se encaixam em nenhuma das duas classificações anteriores, têm formatos difusos, como a Pequena Nuvem de Magalhães.

A variação morfológica das galáxias está intimamente ligada ao seu mecanismo de formação: o desafio diante dos astrônomos é obter explicações plausíveis para a taxonomia galáctica. A dificuldade maior, um problema típico da astronomia, é que não é possível estudar a formação de galáxias diretamente, no laboratório: elas não só são meio grandes (a Via Láctea tem um diâmetro de cem mil anos-luz, ou seja, alguém que viajasse à velocidade da luz levaria cem mil anos para atravessá-la), mas a sua formação é muito lenta, podendo levar dezenas de milhões de anos.
A saída é usar uma combinação de modelos de computador e observações obtidas por telescópios. As observações funcionam de modo semelhante às explorações dos paleontólogos, que tentam reconstruir a evolução das espécies pela coleta de fósseis de idades diferentes: munidos de telescópios poderosos, os astrônomos estudam galáxias em fases diferentes de seu período de formação, infância e adolescência. Já as simulações tentam imitar o processo de formação de uma galáxia em computadores poderosos. O problema é extremamente complicado, mas os primeiros resultados das simulações mais realistas são promissores.
Essencialmente, a diferença entre as galáxias elípticas e as espirais está na interação com galáxias vizinhas durante o seu processo de formação: quando uma nuvem de gás primordial desmorona, ela o faz como uma massa de pizza, girando e achatando até ficar como um disco plano, com o centro mais denso. Esse processo dá origem a uma galáxia espiral. As elípticas são o resultado de colisões entre espirais: a colisão dispersa os braços das espirais e concentra a matéria na região central. Isso explica o fato de as elípticas aparecerem tipicamente em grupos, enquanto as espirais tendem a ser mais solitárias. A taxonomia galáctica rendeu os seus primeiros frutos.

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