domingo, 7 de dezembro de 2003

O príncipe que mediu o cosmo

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Olhando para o céu noturno, em uma noite sem luar, nos deparamos com o que parece ser uma infinidade de estrelas. Na verdade, a olho nu vemos apenas umas 3.000, que já tornam o céu bastante cheio.

É incrível que até 1610 a astronomia não dispunha de seu instrumento-mor, o telescópio. Medir a posição de uma estrela ou de um planeta significava medir o ângulo que o objeto celeste fazia com o horizonte (a sua latitude celeste, ou declinação) e a sua posição relativa aos pontos cardeais (a sua longitude). Para isso, foram criados instrumentos com nomes como quadrantes e sextantes. Portanto, armado de muita paciência, seria possível medir a posição de cada estrela e de cada planeta e assim reproduzir o arranjo dos céus em um globo ou em um pedaço de papel.

E a coisa era cara. Isso porque medidas astronômicas têm de ser precisas para ser úteis. Um instrumento barato, de pouca precisão, não produzirá bons resultados. Feito um relógio de baixa qualidade, que atrasa ou adianta sempre. O financiamento de bons instrumentos sempre foi um dos grandes obstáculos para o desenvolvimento científico.

Em geral, os cientistas não têm os fundos necessários para comprar ou construir seus próprios instrumentos. Eles dependem de recursos externos, seja do governo, seja da indústria. Mas, na história da ciência, existem algumas exceções a essa regra. Talvez a mais fascinante seja a de Tycho Brahe (1546-1601), o príncipe astrônomo.

Brahe viveu durante a segunda metade do século 16, logo após a morte de Copérnico em 1543. Sua família pertencia à fina flor da nobreza dinamarquesa, com direito a muita pompa e circunstância. Seu destino profissional estava já selado de nascença; como todo nobre, ele deveria estudar direito e se dedicar à administrar a fortuna da família.

Só que Brahe tinha outros planos. Quando era ainda adolescente, viu um eclipse parcial do Sol. Esse evento o impressionou profundamente. Não só por sua beleza, mas também porque ele foi previsto. Para Brahe, poder prever os movimentos celestes era equivalente a conhecer a mente divina. Afinal, se Deus era o arquiteto celeste, a astronomia era uma porta para o divino.
Daí para a frente, Brahe só quis saber de astronomia, para desespero de sua família. Dotado de uma personalidade muito forte, Brahe não fez por menos. Usou o dinheiro da família para construir instrumentos de altíssima precisão e, com eles, começou metodicamente a medir os céus.

Deu sorte. Vários fenômenos celestes estranhos desafiaram a sabedoria da época. Em 1572, quando voltava de seu laboratório alquímico (era normal trabalhar em alquimia, astronomia e astrologia naqueles tempos), Brahe percebeu uma nova estrela brilhando no céu. Estudou suas propriedades até ela desaparecer de vista, concluindo que estava muito além da Lua. Isso contrariava os ensinamentos de Aristóteles, que dizia que os céus para além da Lua eram imutáveis. Como uma estrela podia surgir e desaparecer por si só? Em 1577, ele mostrou que um cometa também estava além da Lua, uma nova violação dos preceitos aristotélicos. Os céus não eram imutáveis.

A essa altura, Brahe já era um astrônomo famoso. Tanto assim que, quando ele ameaçou deixar a Dinamarca, o rei lhe deu de presente uma ilha inteira e fundos para construir um grande castelo-observatório, Uraniborg, "O Castelo dos Céus". Lá, Brahe vivia como um verdadeiro príncipe, cercado de assistentes e súditos. Tinha até um calabouço com salas de tortura onde ameaçava aqueles mais rebeldes. Não era uma pessoa das mais agradáveis. Mesmo fisicamente, seu aspecto era intimidante: tinha um nariz postiço, feito de uma liga de ouro e prata, e olhos negros brilhantes e maliciosos. Parece que um de seus primos lhe rasgou o nariz em um duelo.

À noite, armado de seu quadrante de bronze e carvalho de 38 polegadas de diâmetro, Tycho se transformava. Durante 30 anos, o príncipe astrônomo mediu os céus, centenas de estrelas, as órbitas dos planetas, coletando os dados astronômicos mais precisos até então. Foram esses dados que permitiram que Johannes Kepler, seu assistente e um dos grandes gênios de todos os tempos, obtivesse as leis que regem as órbitas dos planetas. Outro dia eu conto a história de como os dois se encontraram.

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