quarta-feira, 23 de novembro de 2005

Monstros do passado

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

Olhar para o céu é olhar para o passado. Quanto mais distante o objeto celeste, mais para trás no tempo olhamos: a luz tem uma velocidade finita, demorando um certo tempo viajando do objeto que a gerou até nossos olhos. O Sol está a aproximadamente oito minutos-luz da Terra.

Portanto, a luz do Sol que bate em nossos olhos passou oito minutos viajando a 300 mil quilômetros por segundo para chegar aqui. O Sol que vemos não é o Sol de agora, mas o de oito minutos antes. A estrela mais próxima, a Próxima Centauri, fica a 4,3 anos-luz da Terra, 300 mil vezes mais distante do que o Sol. A luz que chega até nós passou 4,3 anos viajando. O cosmos é essencialmente vazio, algo que é sempre bom lembrar. Ainda bem; caso contrário, seríamos todos literalmente assados pela radiação de estrelas vizinhas. A vida seria impossível.


Se os dados contrariam a teoria, ela deve ser revisada, por mais bela que seja


Quando olhamos para o céu, vemos as estrelas próximas o suficiente para detectarmos sua luz com nossos olhos. Se nos limitássemos a essa visão do cosmos, seríamos bastante míopes. Com telescópios, instrumentos que coletam a luz muito mais eficientemente do que nossos olhos, podemos ver objetos muito mais distantes. A galáxia mais próxima, Andrômeda, está a aproximadamente 2 milhões de anos-luz daqui. Quando olhamos para ela com um telescópio, vemos como era há 2 milhões de anos, quando o gênero Homo dava seus primeiros passos na África. O astrônomo extragaláctico é um viajante no tempo, procurando por objetos cada vez mais longínquos, tentando reconstruir o passado do Universo.

Hoje, sabemos que o Universo teve um passado. Sabemos que existe há 13,8 bilhões de anos. Esse fato, junto com o fato de a luz ter uma velocidade finita, significa que temos um horizonte, uma fronteira além da qual não podemos enxergar. Dada a idade do Universo, nosso horizonte fica a 13,8 bilhões de anos-luz. O que existe além desse horizonte? Não sabemos. Mas suspeitamos que apenas mais Universo, mais galáxias e estrelas. Feito numa ilha: sabemos que além do horizonte o mar continua.

Com telescópios ultrapotentes como o Telescópio Espacial Hubble, astrônomos são capazes de ver os primeiros objetos que se formaram no início da história cósmica. Começando com a nossa casa: a Via Láctea é uma galáxia grande, com 100 mil anos-luz de diâmetro e em torno de 300 bilhões de estrelas. Sua idade, a julgar por suas estrelas mais velhas, é calculada em 10 bilhões de anos. Ou seja, nossa galáxia se formou quando o Universo tinha uns 3,8 bilhões de anos.

Uma das questões mais importantes da astronomia é como e quando as galáxias se formaram. Até recentemente, o mecanismo que explica a formação de galáxias seguia o esperado: pequenas flutuações na distribuição de matéria (principalmente hidrogênio) condensavam-se e cresciam devido à própria gravidade, agregando mais matéria no processo. Adicionando-se rotação, as partes mais densas formaram as primeiras estrelas, que, brilhando intensamente, causaram novas instabilidades, que formaram outras. O mecanismo é do menor para o maior: uma galáxia como a nossa demora para evoluir. Observações recentes parecem contradizer isso: galáxias gigantescas, monstros cósmicos maiores do que a Via Láctea, parecem já ter existido em abundância quando o Universo tinha 1 bilhão de anos. Apesar de ser cedo para concluir que os modelos de formação de galáxias estão errados, fica uma lição de como funciona a ciência: se os dados contrariam a teoria, ela deve ser revisada, por mais bela que seja.

Nenhum comentário:

Postar um comentário