domingo, 11 de dezembro de 2005

Berços de estrelas

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

Talvez alguns leitores lembrem-se ainda de uma imagem histórica produzida pelo Telescópio Espacial Hubble no início de 2002 mostrando as "Colunas da Criação", uma região perto da Nebulosa da Águia onde estrelas estavam "nascendo": gigantescas colunas de gases incandescentes pareciam ascender como cogumelos em explosões atômicas, marcando a incrível violência e beleza do fenômeno. A região, fotografada opticamente (dentro do espectro da luz visível) pelo Hubble, tinha uma extensão aproximada de 1,5 ano-luz, a distância percorrida pela luz em um ano e meio, cerca de 15 trilhões de quilômetros. Como comparação, a distância do Sol a Plutão é 250 vezes menor.


O mecanismo de nascimento de estrelas ilustra a complementa-ridade entre criação e destruição que observamos na natureza


Carl Sagan escreveu que temos a sorte de ser a geração que está explorando os planetas pela primeira vez, estudando sua estrutura, seus detalhes, enviando sondas robotizadas. Os que hoje têm em torno de 40 anos ou mais tiveram de mudar sua concepção completamente: planetas passaram de simples esferas distantes com alguns detalhes interessantes (a cor alaranjada de Marte, o "olho" de Júpiter, os anéis de Saturno) a mundos completos, com montanhas, vulcões, vales, crateras, atmosferas variadas, talvez até, no caso da lua de Júpiter, Europa, oceanos subterrâneos. Descobrimos até outros mundos, planetas girando em torno de outras estrelas a muitos anos-luz daqui.

Ao que disse Sagan, podemos adicionar que temos, também, a sorte de ser os primeiros a ver estrelas nascerem, de acompanhar o processo complementar de criação e destruição que marca a evolução cósmica.

No dia 9 de novembro, outra missão da Nasa, o Telescópio Espacial Spitzer, revelou uma imagem ainda mais espetacular do que a do Hubble: outro berçário de estrelas, agora na constelação de Cassiopéia, a 7.000 anos-luz da Terra, com uma extensão de 15 anos-luz, ou seja, 10 vezes maior do que a imagem revelada pelo Hubble em 2002. Literalmente centenas de proto-estrelas, estrelas-bebê, podem ser vistas por trás de uma nuvem de gás e poeira avermelhada. A grande vantagem do Spitzer sobre o Hubble é que ele é um telescópio infravermelho, ou seja, capaz de detectar radiação infravermelha que atravessa a poeira existente nas regiões de formação de estrelas. É como se estivéssemos num campo coberto de flores belíssimas que, devido à uma neblina espessa, permanecessem invisíveis aos nossos olhos. "Ver" no infravermelho significa poder ver através da neblina, ver as flores cobrindo o chão.

O mecanismo de nascimento de estrelas ilustra a complementaridade entre criação e destruição que observamos na natureza: o berçário de estrelas foi ativado por uma estrela com massa dezenas de vezes maior do que o Sol, que explodiu ao fim de sua curta existência. A explosão ejetou quantidades gigantescas de material e gás, gerando uma onda de choque que viajou pelo espaço interestelar até atingir uma nuvem de gás e poeira que até então estava em equilíbrio relativamente estável. Essa nuvem, despertada de seu equilíbrio pela onda de matéria e radiação proveniente da estrela defunta, sofreu variações em sua densidade: regiões com maior densidade começaram a colapsar devido à sua própria gravidade, o gás em seu interior aquecendo com o aumento de pressão, até que sua temperatura chegou a 15 milhões de graus Celsius. Quando isso ocorreu, hidrogênio começou a fundir-se em hélio, e uma ninhada de estrelas nasceu, iluminando o espaço à sua volta, trazendo consigo a memória de sua progenitora.

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