domingo, 9 de abril de 2006

Cosmologia para a vida moderna

Querendo ou não, somos produto de nossa visão cosmológica. Talvez o leitor não passe as noites em claro se perguntando sobre a origem das coisas ou por que o Universo está em expansão. Mas a verdade é que nossa concepção de mundo é parte integral de quem somos. Para uma pessoa do século 15, o cosmo era finito, estático, esférico como uma cebola, a Terra no centro e o Sol e os planetas girando à sua volta em órbitas concêntricas. Deus ocupava a esfera mais externa, de onde comandava os afazeres dos astros e dos homens. O objetivo das pessoas era ascender do centro à esfera externa, da Terra ao Paraíso. Os que falhavam afundavam em direção às entranhas da Terra, condenados a arder eternamente nas chamas do Inferno. Para as pessoas do século 15, a cosmologia e a religião andavam de mãos dadas: a direção moral da vida e da morte refletia o arranjo dos céus.


Nosso lugar no cosmo é ordinário, mas nós não somos, porque fazemos as perguntas que levam a novas descobertas

Dado isso, não é difícil entender o impacto que a visão copernicana do cosmo, deslocando a Terra do centro e pondo o Sol em seu lugar, teve durante os séculos 16 e 17. A bela e simples ordem do cosmo medieval era intuitiva, fácil de ser compreendida e ainda por cima tinha o aval da Igreja.

Que petulância desses astrônomos de virar o céu às avessas sem oferecer uma nova teologia que restabelecesse a ordem das coisas! O casamento entre a ordem teológica e a cósmica nunca foi refeito. Alguns cientistas dessa nova era bem que tentaram, como Kepler, que sugeriu que o Sol era a morada de Deus, ou Newton, que disse que as dimensões infinitas do cosmo refletiam o poder infinito de Deus.

Foi a partir daí que se deu a separação entre as concepções científica e religiosa do cosmo. De lá para cá, os céus da ciência se tornaram cada vez mais distintos do firmamento cristão. E as pessoas mais desnorteadas, já que a visão vertical da Idade Média -os que são bons sobem e os que são ruins descem- não fazia mais sentido, ao menos concretamente.

Passados 300 anos, temos uma nova cosmologia. Infelizmente, o distanciamento das pessoas das descobertas da ciência é diretamente proporcional aos seus avanços. Poucos sabem em que Universo vivemos agora. A coisa complica ainda mais devido ao fato de a ciência ser um processo onde não se chega à verdade final das coisas, mas a verdades temporárias: hoje sabemos mais sobre o Universo do que ontem, mas amanhã saberemos mais. Como então essa nova cosmologia deve ser apreendida pelas pessoas?

Aos poucos. Começando pelo que sabemos e progredindo em direção ao que não sabemos. Eis uma lista de coisas que sabemos. Nosso Sol é uma estrela ordinária. Há centenas de bilhões de outras só na nossa galáxia. Dessas, a maioria tem planetas girando ao redor.

Não sabemos se existe vida em alguns deles, mas seria terrível imaginar que estamos sozinhos nessa enorme vastidão. Existem também centenas de bilhões de outras galáxias espalhadas pelo cosmo. A expansão do Universo significa que essas galáxias estão se afastando mutuamente como se fossem pontos na superfície de um balão que infla. Isso vem ocorrendo há pouco menos de 14 bilhões de anos, que marca o Big Bang. Nosso lugar no cosmo é ordinário. Mas nós não somos. Não somos porque fazemos as perguntas que levam a novas descobertas. Se a ciência não oferece um substituto espiritual para a religião, oferece ao menos razão para preservarmos a preciosidade da vida. Isso já é o suficiente para mim, racional e espiritualmente.


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