quarta-feira, 6 de junho de 2001

A Primeira Causa

Em 1931, o padre e astrofísico belga Georges Lemaître propôs uma idéia que soava quase absurda: no início do tempo, o Universo teria sido um núcleo atômico gigantesco, prestes a se desintegrar, como os núcleos de átomos de urânio ou plutônio. Segundo Lemaître, esse núcleo deveria ser considerado como o estado inicial do Universo. Com o tempo ele teria se desintegrado, gerando vários tipos de radiação e partículas -os materiais constituintes do Universo primordial, muito anteriores à existência de átomos comuns, como o de hidrogênio.

Durante o processo de desintegração, o átomo e seus detritos radioativos teriam ocupado um volume cada vez maior, que Lemaître associou com o volume do Universo. Em sua "visão" da origem cósmica, o espaço e o tempo seriam criados conjuntamente com a desintegração do átomo primordial. Prudentemente, Lemaître não adiantou qualquer sugestão ou mecanismo para o aparecimento de seu átomo primordial.

Essa questão, conhecida como a Primeira Causa, continua sendo debatida até hoje: quem foi o "agente" ou a causa física que viabilizou todas essas outras causas? Lemaître se inspirou nos resultados do astrônomo americano Edwin Hubble, que em 1929 mostrou que o Universo está em expansão -quanto mais longe a galáxia, maior a velocidade com que ela se afasta. (Um observador em qualquer outro local concluiria o mesmo. Não existe um centro no Universo, todos os pontos sendo equivalentes, como é o caso na superfície de uma esfera.)

Portanto, raciocinou Lemaître, se olharmos para o passado da história cósmica, quanto mais jovem o Universo, mais aglomerada estaria a sua matéria. É possível imaginar um momento em que a matéria do Universo ocupou um volume mínimo, atingindo altíssima densidade: esse seria o átomo primordial de Lemaître. Na época, era perfeitamente razoável supor que a densidade máxima da matéria era a dos núcleos atômicos, de dezenas de bilhões de gramas por centímetro cúbico, equivalente a uma montanha espremida em um cubo de açúcar.

A idéia de um Universo com uma origem e uma evolução temporal inspirou alguns e causou aversão em outros. Em particular, três físicos da Universidade de Cambridge (Reino Unido) propuseram, entre 1948 e 1950, um modelo alternativo, o Estado Estacionário, no qual o Universo não teria tido uma origem: ele existiria eternamente e, em média, aparentaria ser sempre o mesmo. Ora, um Universo infinitamente velho não tem um momento de criação, o que resolve a questão da Primeira Causa.

O Estado Estacionário foi proposto na mesma época do modelo do Big Bang, uma adaptação mais concreta das idéias de Lemaître que inclui uma modificação fundamental: que, em sua infância, o Universo não só teria sido extremamente denso, mas, também, extremamente quente. Ambos os modelos fizeram suposições cruciais, justificadas apenas subjetivamente. O modelo do Estado Estacionário supõe que, para tornar a expansão do Universo compatível com a idéia de um Universo em média idêntico, a matéria teria de ser criada na mesma proporção em que a expansão a dilui (daí o nome, "Estado Estacionário").

Essa criação de matéria viola a lei da conservação de energia (energia e matéria aqui são usadas conjuntamente). O trio de ingleses argumentou que a violação era tão pequena que não poderia ser detectada. Como toda medida tem uma precisão limitada, só se pode afirmar que a energia é conservada dentro dessa precisão. Ou seja, talvez ela seja violada, mas não podemos sabê-lo. Já o modelo do Big Bang, conforme sua proposição por George Gamow e seus colaboradores, supõe uma receita para a matéria que preenchesse o Universo inicialmente (prótons, nêutrons, elétrons e radiação), sem se preocupar, tal como Lemaître, com a origem dessa matéria. Para eles, o importante era o que eles poderiam prever com o seu modelo. Portanto, enquanto um modelo tentou resolver a questão da Primeira Causa supondo um Universo infinitamente velho, o outro deixou a questão de lado, adotando uma postura mais pragmática.

Hoje, o modelo do Estado Estacionário foi deixado de lado, pois é incapaz de explicar certas propriedades do Universo. Já o modelo do Big Bang vem sendo coroado de sucesso. O que deixa, mais uma vez, a questão da Primeira Causa. Mas essa discussão fica para outra semana.

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