domingo, 8 de janeiro de 2006

Jardins cósmicos


O grande astrônomo inglês William Herschel costumava comparar os céus a um jardim luxuriante, repleto de criações extravagantes. Quando morreu, em 1822, Herschel havia -com a ajuda incansável de sua fiel irmã Caroline- descoberto um novo planeta, Urano, medido e catalogado a posição de mais de 2.500 objetos celestes, que chamou de nebulosas planetárias e aglomerados de estrelas, nomes que estão conosco até hoje, e iniciado o estudo da astronomia estelar, responsável pela categorização de estrelas em grupos com propriedades diversas.
As descobertas de Herschel só foram possíveis com a disponibilidade de telescópios mais potentes, já que Urano não é visível a olho nu. E de muita paciência, para medir e remedir os céus com a maior precisão possível.


O cosmo é mesmo um jardim encantado, repleto de criações extravagantes que nem mesmo Herschel poderia ter imaginado


É difícil imaginar como Herschel e seus contemporâneos, cientistas ou não, lidaram com o fato de que existia um outro planeta no Sistema Solar, um outro mundo que ninguém antes havia visto, circulando o Sol numa órbita duas vezes mais distante do que a de Saturno. Devem ter se perguntado se não existiriam outros mundos, ocultos na sombra da noite. Imagino que, para muitos, a excitação da descoberta tenha sido acompanhada por uma sensação de abandono, de medo, talvez não muito diferente do que uma criança sente num quarto escuro. Será que Giordano Bruno, o monge que acabou seus dias queimado na fogueira em 1600, estava certo quando especulou que "existe um número infinito de sóis e de outras terras revolvendo em torno desse sóis espalhados na vastidão do cosmo"? Será que a astronomia poderia encontrar a fronteira da Criação, decidir se o cosmo é finito ou infinito? Será que o homem poderá um dia entender qual o seu lugar nessa vastidão indiferente? Medir os céus, conhecer seus habitantes, era mais do que uma curiosidade, era uma orientação necessária, um mapeamento que tinha como objetivo encontrar nosso lugar num cosmo cada vez mais complexo e desumano.
A imagem de Herschel, do cosmo como um jardim, não poderia ser mais adequada. Passados mais de 180 anos desde a sua morte, astrônomos descobriram não só outros planetas (bem, ao menos um, Netuno, já que Plutão pode vir a perder seu status de planeta em breve) como um cinturão de asteróides entre Marte e Júpiter e outros "cinturões" bem mais distantes, repletos de "bolas" de gelo e gases congelados com diâmetros variando de metros a quilômetros. Ainda mais espetacular, outros sóis e seus planetas foram encontrados, em torno de 160 planetas extra-solares até o momento. Os resultados indicam que o nosso Sistema Solar não é o único. Pelo contrário, parece que a maioria absoluta das estrelas tem planetas girando à sua volta, se bem que poucos com as propriedades da Terra, ou seja, na distância "certa" de suas estrelas para que a água ocorra no estado líquido. Mesmo assim, se apenas 0,1% das estrelas na nossa galáxia tiverem planetas semelhantes à Terra, são ainda em torno de 100 milhões de Terras.
Vivemos num cosmo de dimensões que são difíceis de digerir. Nossa galáxia, com centenas de bilhões de estrelas, é apenas uma entre centenas de bilhões de outras. A maioria dessas estrelas tem seus planetas, cada um com sua composição química, atmosfera (ou não), tamanho e densidade. Bruno tinha razão, são mesmo incontáveis os sóis e suas Terras. E Herschel também, o cosmo é mesmo um jardim. Um jardim encantado, repleto de criações extravagantes que nem mesmo Herschel poderia ter imaginado.

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