sábado, 19 de setembro de 2009

Marcelo Gleiser: ciência para poetas

Ouca entrevista audio aqui
http://www.domtotal.com/multimidia/entrevistas_detalhes.php?entId=44

18/09/2009

A ciência é ensinada de uma maneira tão chata que é um milagre as pessoas desejarem ser cientistas. Quem diz isso é o físico e astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser, professor da Universidade de Dartmouth, em Hanover, Estados Unidos.

Marcelo Gleiser é o professor de física que todo mundo gostaria de ter. No lugar de frases pomposas, ele conta episódios deliciosos da história da ciência e da vida do cientista. Ao invés de passar a aula inteira expondo fórmulas no quadro negro, apresenta os fundamentos da física no laboratório, com demonstrações e experiências.

Uma de suas disciplinas em Dartmouth se chama física para poetas, que o tornou o professor mais popular da Universidade, graças também a seus livros e peças de teatro, sem falar nas aventuras quando vem ao Brasil, como desfilar vestido de Santos Dummont na Escola de Samba Unidos da Tijuca.

Por causa de seus múltiplos talentos, Marcelo Gleiser recebeu condecoração especial das mãos do presidente Bill Clinton por seu trabalho de pesquisa em cosmologia e por sua dedicação ao ensino. Difícil acreditar, diante de tanto sucesso profissional, que este cientista que abala o coração das mulheres onde quer que vá, um dia pensou em largar os estudos para ser músico.

Marcelo Gleiser é o entrevistado da semana no Dom Total.

Confira abaixo trechos da entrevista e no áudio acima a entrevista completa.


Marco Lacerda: Costuma-se dizer que a sua forma de escrever e divulgar a ciência é comparável à de Carl Sagan, conhecido pelo seu jeito apaixonado e simples de ensinar. Você concorda com esta comparação?

Marcelo Gleiser: Fico lisonjeado com a comparação, gosto muito do Carl Sagan, sempre foi um ícone para mim. Se as pessoas acham que estou fazendo um trabalho de divulgação científica que merece essa comparação, fico muito feliz, porque obviamente estou tocando as pessoas da maneira correta.

Há uma pequena diferença, talvez, entre a minha postura e a dele. Carl Sagan é uma pessoa muito mais radical. Ele acredita que a ciência é a reposta para tudo.

A minha postura é de sempre entender a ciência dentro do contexto histórico e cultural em que ela foi criada e desenvolvida. O Sagan, pelo contrário, via a ciência como algo quase absolutista - “A ciência é a única maneira razoável de se pensar o mundo”.

Eu não vejo assim. Quer dizer, acredito que existem várias maneiras de pensar o mundo: artísticas, poéticas, espirituais. A própria ciência tem um lado espiritual muito grande. Então diria que a minha postura é um pouco mais liberal, mas, sem dúvidas, acho legal que as pessoas façam esse tipo de comparação.


Lacerda: Você costuma dizer que a ciência é ensinada de uma maneira tão chata que é um milagre as pessoas desejarem ser cientistas. Onde você vê essa chatice e como ela poderia ser transformada?

Gleiser: Esta é uma ótima pergunta. As chatices aparecem de várias formas. Em primeiro lugar, infelizmente, a maioria dos professores de ciência - principalmente no ensino público no Brasil - são pessoas que, ou não gostam de ciência, ou tem um preparo muito pequeno na área.

Como uma pessoa que não gosta do assunto ou não tem interesse em aprender sobre, pode transmitir às crianças a paixão pelo ensino e a curiosidade? Não dá muito certo.

O que ocorre? O ensino fica muito preso às fórmulas. Há o quadro negro e as pessoas ficam memorizando o que é uma célula, o que tem dentro dela, o que é movimento retilíneo uniforme. Não existe um engajamento maior entre quem está ensinando e as crianças que estão aprendendo. Fica realmente chato.

Com a minha experiência de dar aulas em escolas, não só para adultos, mas também para turmas de 5ª e 6ª séries, vejo que os alunos têm um interesse enorme em aprender. Ficam muito curiosos com assuntos como buraco negro e galáxias, por exemplo. Fica claro que o interesse existe.

O que falta é o método de manter esse interesse vivo. Como fazer isso? Existem várias maneiras, não vamos dar um curso de como ensinar ciência, mas uma delas é levar as crianças para fora da sala de aula e usar o mundo como laboratório.

Por exemplo, você leva as crianças para um parque - nem precisa ser tão grande, uma pracinha mesmo, que tenha árvores e balanços. Lá, você mostra como são as árvores, porque elas são verdes, como o balanço balança, porque temos que empurrar. Você olha para o céu e explica porque ele é azul, o mesmo com as nuvens, os ventos. Você transforma esse parque em um laboratório de ciências.

Isso, para mim, tornaria o ensino ficasse muito mais interessante. A ciência fica realmente chata quando é: “vamos ler o capítulo dois do livro e escrever as fórmulas no quadro negro”.


Lacerda: Dizem que a ciência explica a natureza e cria novos mundos que nós não percebemos com os nossos sentidos. Você poderia falar um pouco sobre estes mundos de uma forma que nós entendamos com nossos sentidos?

Gleiser: Na verdade, diria que a ciência não cria novos mundos, mas revela os mundos que já existem e que a gente não consegue ver. Nós somos seres limitados, só podemos ver objetos a certa distância e de certo tamanho. O que a ciência faz?

Vou dar dois exemplos: o telescópio e o microscópio. Dois instrumentos científicos que mudaram completamente nossa percepção do universo. O caso do telescópio, aliás, é bastante pertinente. Em 1609, Galileu apontou seu telescópio para os céus. Desde então, se passaram 400 anos.

O telescópio mudou completamente nossa visão de mundo porque percebemos, através dele, que o universo é muito mais rico, dinâmico e variado do que o céu estrelado que vemos todos os dias.

No caso do microscópio, acontece o oposto. Ao invés do mundo do “muito grande”, temos o mundo do “muito pequeno”. Mais ou menos na mesma época que o telescópio estava sendo inventado e aperfeiçoado, o microscópio estava sendo inventado e aperfeiçoado. Ali se viu que em uma gota d’água existe todo um universo de vida, bactérias e animais estranhíssimos, que são completamente invisíveis a olho nu.

Entrevista realizada pelo jornalista Marco Lacerda no programa FrenteVerso, que vai ao ar aos domingos, às 21h, pela Rádio Inconfidência FM

Um comentário:

  1. Caro Prof. Gleiser,

    Gostaria de conhecer a sua opinião sobre "A Teoria do Big Brain", que integra os conhecimentos empíricos e mostra evidências de que a realidade é hardware e software simultaneamente. Para folheá-la basta pesquisar "A Teoria do Big Brain" no Google Livros (www.books.google.com). Caso tenhas disponibilidade para ler a teoria na íntegra, mande-me um email, que lhe enviarei o link e a senha para isto.

    Cordialmente

    Jairo Alves

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