domingo, 18 de outubro de 2009

Tensão criadora


Roald Hoffmann argumenta que nem sempre o mais simples é o mais belo


Na semana passada, tive o prazer de assistir uma palestra proferida pelo Prêmio Nobel de Química Roald Hoffmann, que esteve visitando a minha universidade nos EUA por algumas semanas.

Hoffmann é conhecido de muitos no Brasil. Participamos juntos do Carnaval no Rio, quando saímos com a Unidos da Tijuca fantasiados de Santos Dumont em 2004. A escola, com um tema de ciência e criatividade, ficou em segundo lugar, motivo de grande festa. Aqui em Dartmouth, Hoffmann veio como químico, poeta, sobrevivente do Holocausto e dramaturgo. É óbvio que Hoffmann não é um Nobel típico. A palestra a que me refiro tratava de química e criatividade. Foram tantas ideias interessantes que queria dividir algumas com os leitores. O título era já bem instigante: "A tensão criativa da química".

"Mesmo que exista uma estrutura que permeie a realidade, existem 36 meios de representá-la." Aqui já vemos uma noção de pluralidade do conhecimento: existem muitos meios de construir o conhecimento sobre o mundo -e a ciência não é o único.

Hoffmann é um cientista humanista, que vê a ciência dentro de seu contexto histórico-cultural e não imune aos preconceitos que definem tantas das nossas escolhas. Por exemplo, passou um bom tempo falando sobre simplicidade versus complexidade.

Por que amamos o simples? Mostrando a imagem de uma molécula de hemoglobina, extremamente complicada e absolutamente fundamental para a vida, afirmou: "Esta molécula não é bela porque é simples. Mas é bela assim mesmo". A estética da ciência, principalmente devido ao sucesso do reducionismo na física, sempre buscou o mais simples, atribuindo-lhe beleza. A famosa "navalha de Occam", que diz que, se existem duas explicações para o mesmo fenômeno, a mais simples deve ser a verdadeira, implicitamente assume que o mais simples é o mais belo. Será sempre assim?

Mostrando imagens dos parques de Gaudí em Barcelona, de igrejas rococó na Espanha, na Alemanha e na Itália, Hoffmann argumentou que nem sempre o mais simples é o mais belo. Economia na forma pode ser muito importante na física, mas na biologia a complexidade absurda das moléculas parece estar dizendo algo de diferente. A estética da vida e a dos homens pode ter muito mais em comum do que imaginamos.

"A natureza é o que é, mas não é simétrica." Hoffmann retornou a esse tema diversas vezes. O que ele quis dizer com isso? Claramente, simetria é uma ferramenta muito importante nas ciências. O que seria da geometria sem ela? Também na física buscar simetrias sempre leva a grandes simplificações: simetria, simplicidade, beleza e verdade parecem andar de mãos dadas na história da ciência. Mas será que esse paradigma já rendeu o que tinha de render? Não há dúvida de que o simples leva à grandes revelações.

Mas o complexo também. Principalmente quando migramos da física à química e à biologia. O que dificulta as coisas é que o estudo de estruturas complexas precisa de ferramentas diferentes, e poucas existem hoje. "A química é a ciência da transformação, e pessoas não gostam de mudanças." Aqui, Hoffmann se referiu ao menor interesse que o público tem em química, quando comparada à física e à biologia. Basta ver os temas dos livros dedicados à popularização da ciência para confirmar isso. Hoffmann sugeriu que o excesso de rigidez em ocultar o passado alquímico e mítico da química (que ele celebra) acabou por tirar a magia de uma ciência cheia de mágica. Afinal, a química é a ponte entre o átomo e a célula. Quem precisa de mais do que isso para se empolgar com ela?

5 comentários:

  1. Sua postagem é antes de tudo , filosófica e conduz a muitas vertentes de idéias que eu, leiga , não consigo colocar em palavras e talvez nem em pensamentos ditos "lógicos", mas consigo ver beleza.

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  2. Bem, adorei o texto, mas estou aqui para fazer um outro elogio. O farei aqui pois não há outro lugar especialmente adequado para isto.
    Quero parabeniza-lo pela grande participação no programa "As Origens da Vida" do History Channel.
    Sou um grande fã seu e quando estiver em Brasília tente nos avisar!
    Abraços.

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  3. Com certeza avisarei. Aliás, deve acontecer em meados de março de 2010, quando darei a Aula Inaugural da UnB, aproveitando o lançamento do meu novo livro, "A Criação Imperfeita". Me dei conta que esta é a primeira vez que escrevo nesse blog! Não sei quem o conduz, mas agradeço o trabalho de vocês e o interesse!

    Marcelo Gleiser

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  4. Em relação à simetria devemos citar importante contribuição de Emmy Noether, através do Teorema de Noether, de como a simetria orienta a natureza e seus diferentes processos físicos; estabelecendo interessante ligação entre a Física e a Matemática:
    Para cada simetria da natureza, das leis da Física, há uma lei de conservação correspondente, e vice versa:
    • A invariância das leis da Física, em relação ao tempo leva à Lei da Conservação da Energia; e a Lei da Conservação da Energia implica que as leis da física não mudam com o tempo.
    • A invariância das leis da Física em relação ao lugar leva à Lei da Conservação da Quantidade de Movimento Linear;
    • A invariância das leis da Física em relação à direção, isotropia do espaço vazio, implica a Lei da Conservação da Quantidade de Movimento Angular.
    A simetria parece bem conceituada em “ Symmetry and the beautiful uiverse” de Leon M. Lederman e Christopher T.Hill; também, em Physics, de Eugene Hecht.

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  5. Olá, Marcelo
    Muito prazer tê-lo aqui.
    Coleciono os seus textos desde criancinha...heheh, e resolvi renir nesse blog.

    Estive na sua palestra na CPFL

    http://alamkenjiminowa.blogspot.com/2007/10/meus-idolos-minhas-referncias-v-marcelo.html

    abraços

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