domingo, 14 de novembro de 2010

A realidade é como percebemos





Einstein e a física quântica derrubaram a objetividade imparcial: a mente e a realidade são inseparáveis

SEMANA PASSADA, DESCREVI como a física moderna vê a realidade como sendo composta de várias camadas, cada qual com seus princípios e leis.


Isso vai contra o reducionismo mais radical, que diz que tudo pode ser compreendido partindo do comportamento das entidades fundamentais da matéria. Segundo esse prima, existem apenas algumas leis fundamentais. Delas, todo o resto pode ser determinado. Gostaria de retornar ao tema hoje, mas focando num outro aspecto dessa questão que é bem complicado: o que é realidade e como sabemos.

Começo contrastando os filósofos Hume e Kant. Para Hume, o conhecimento vem apenas do que captamos com nossos sentidos. Baseados nesta informação, construímos a noção de realidade. Portanto, uma pessoa que cresceu sem qualquer contato com o mundo externo e que é alimentada por soros não seria capaz de reflexão. Kant diria que existem intuições já existentes desde o nascimento, estruturas de pensamento que dão significado à percepção sensorial.
Sem elas, os dados colhidos pelos sentidos não fariam sentido.

Duas dessas intuições são as noções de espaço e de tempo: elas costuram a estrutura da realidade, conectando e dando sentido ao fluxo de informação que vem do mundo exterior. Uma mente com estruturas diferentes, portanto, teria uma noção diferente da realidade.

Kant não diz que o sensório não é importante. Para ele, mesmo que o conhecimento comece com a experiência externa, não significa que venha desta experiência. Precisamos do fluxo de informação sensorial, mas construímos significado partindo de nossas intuições: os dados precisam ser ordenados no tempo e arranjados no espaço.

Durante as primeiras décadas do século 20, duas revoluções forçaram uma reavaliação da ordem kantiana. A relatividade de Einstein combinou espaço e tempo. Deixaram de ser quantidades absolutas, tornando-se dependentes do observador.

O que é real para um pode não ser para outro. A teoria de Einstein restaura uma forma de universalidade, pois provê meios para que observadores diferentes possam comparar suas medidas de espaço e tempo.

A segunda revolução veio com a física quântica. Para nossa discussão hoje, seu aspecto mais importante é a relação entre o observador e o observado. Na época de Kant, a separação entre os dois era absoluta. No mundo quântico dos átomos e partículas, a natureza física de um objeto (se um elétron é uma partícula ou uma onda, por exemplo) depende do ato de observação.

Ou seja, as escolhas feitas pelo observador induzem a natureza física do que é observado: o observador define a realidade. E como a intenção do observador vem de sua mente, a mente define a realidade. A mente precisa ainda das intuições a priori para interpretar o real, mas ela participa desta interpretação.

A objetividade imparcial se torna, então, obsoleta, já que mente e realidade tornam-se inseparáveis. Se essa relação na camada quântica afeta outras camadas é ainda objeto de discussão.

6 comentários:

  1. Caro Marcelo's ghost writer (já que o blog não é do próprio),

    Tal noção da parcialidade da percepção da realidade é bem mais antiga do que as concepções de Hume e Kant. Na verdade, remonta à filosofia indiana, no conceito de Maia, “a dançarina geradora de ilusões”. Tal conceito Carl Gustav Jung relaciona às projeções do inconsciente pessoal, pois, segundo Jung “não é o sujeito que projeta [sua realidade individual], mas o inconsciente. Por isso, não se cria a projeção: ela já existe de antemão. A conseqüência da projeção é um isolamento do sujeito em relação ao mundo exterior, pois em vez de uma relação real com o que existe é uma relação ilusória. As projeções transformam o mundo externo na concepção própria, mas desconhecida.”

    (Jung, C.G., AION – Beiträge zur Symbolik des Selbst, traduzido para o português como AION – Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo, editora Vozes, 1982)

    Jung ressalta ainda o fato da realidade ser puramente de natureza psíquica, subjetiva, individual: “O fato de a experiência imediata ser exclusivamente de ordem psíquica, (...) a realidade só pode ser de natureza psíquica (...).

    (Jung, C.G., Die Dynamik dês Unbewussten, traduzido para o português como A Natureza da Psique, editora VOZES, 1971)

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  2. Desculpem-me, mas a afirmação "A realidade é como percebemos" não é inteiramente verdadeira. Todos os dias, o ianomâni vê um disco brilhante surgir de um lado da região onde habita, percorrer um caminho no céu e, depois, desaparecer no horizonte, no lado oposto. Sabemos que esse pequeno círculo luminoso é, na verdade, uma esfera cujo volume é um milhão e trezentas mil vezes maior que o da Terra. E que já existia antes de aparecermos neste planeta e que, provavelmente, existirá muito tempo depois de desaparecermos dele.

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  3. Eu estava na livraria ontem - feriado - e vi no livro o seu nome. Fiquei pensando e tentando lembrar de onde o conhecia.
    até que lembrei que era daqui do blog.

    Que bacana isso!

    um grande abraço

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  4. MENTE e MATÉRIA X VIRTUDE E VÍCIO

    O professor Marcelo Gleiser indaga: "Dos muitos mistérios que nos inspiram, talvez o mais instigante seja entender como a matéria inanimada tornou-se viva, e como nossos primeiros ancestrais, minúsculas bolsas de moléculas animadas, transformaram um planeta rochoso num oásis de atividades biológico em meio a um cosmo frio e indiferente". (prefácio de Criação Imperfeita).
    domingo, 14 de novembro de 2010. - "A realidade é como percebemos. Einstein e a física quântica derrubaram a objetividade imparcial: a mente e a realidade são inseparáveis".
    Isto coincide com minha visão de mundo sobre como funciona o circuito intelectocônscio. A vida não começa. O que começa é a evolução da vida. A equação de Maxwell não nos faz ver como funciona a interação eletromagnética. Então o professor Marcelo Gleiser gentilmente, nos dá uma explicação sugestiva com patinadores no gelo passando a bola de tênis Se observarmos com atenção, perceberemos que o movimento dos patinadores está em função da mente inerente a eles, e esta não ocupa o espaço das partículas subatômicas constituíntes dos seus corpos físicos. Como funcionam as partículas subatômicas nas interações eletromagnéticas inerentes à mente? Na Natureza só existem duas forças: puxar e empuxar. Só existem dois movimentos: ir e vir, com três modalidades: pulsação esférica,retilíneo e curvilíneo. O ciclo vaivém determina a unidade do tempo no espaço. A mente funciona como um aríete hidráulico, mas não depende da gravidade. Puxa e empuxa a energia do seu campo perceptivo. Ao puxar, a energia torna-se partícula magnética,e ao empuxar, torna-se onda elétrica. Interação entre duas partículas pulsando alternadamente. A primeira empuxa em sincronia com a segunda puxando. A energia vai da primeira para a segunda no primeiro ínterim. No segundo ínterim a primeira puxa e a segunda empuxa sincronicamente. As energias dos dois campos oscilam numa linha reta. Se a bola de tênis é quanta de energia, os patinadores são campos mentais. E daí, talvez, se tenha uma resposta para estas citações. "Duas questões em aberto que concernem às "origens" e que são de muito grande interesse para mim são a da origem da matéria, ou seja, de onde veio a matéria que compõe tudo que existe no Universo, e da origem do Universo como um todo". a Dança do Universo, Origens página 361.
    Uma outra questão é a do "Humanocentrismo". Pronunciado 56 de Criação Imperfeita. Na mente humana há duas qualidades: Platão deixou esta realidade explícita no mito da parelha alada no Fedro. Por causa da acatalepsia não se percebe o por quê Shiva se equilibra sobre seu vício, e também, por quê São Jorge mata o dragão por ser o seu vício. A soberba estupidez humana dominada pelo vício já extinguiu vários impérios, e mais uma vez isto será necessário para a evolução da nossa rara espécie.

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  5. RETIFICAÇÃO

    Na mente humana há duas qualidades: a virtude e o vício. No pronunciado 56, Uma Nova Direção Para a Humanidade, de Criação Imperfeita, embora não foi citado os termos virtude e vício, parece-me evidente que: "Este é o conflito da nossa era. Porém, ao contrário das guerras comuns, esta não tem o propósito de definir fronteiras ou credos. Esta é uma guerra entre o nosso passado e o nosso futuro, uma guerra onde somos nossos piores inimigos e nossa única esperança". Essa "nossa única esperança" seria impreterivelmente, excitar a evolução da virtude para equilibrar nosso frenesi destrutivo que promove o vício da avareza, não especificamente por parte da população, mas por parte das autoridades políticas, religiosas e financeiras. No passado buscava-se Deus nas Religiões. Hoje se busca nas Ciências. Pois, só os cientistas é que possuem a virtude de nos alertar para o perigo da extinção da espécie humana, não vejo os políticos e religiosos se preocuparem com essas questões como por exemplo, estabelecer leis que regulem o crescimento demográfico.

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  6. Costumo sempre dizer que "o conteúdo está dentro de ti". Não sei porquê, mas, ao me confrontar com algo, explicações "brotam" dentro de mim. Como se toda a verdade do universo precisasse apenas de uma gota da água do exemplo para germinar.

    Depois de muito ler, cheguei em um ponto em que creio que, ao transcender o conceito de tempo, podemos virtualizar o ponto futuro dos nossos desejos e anseios para que estes comprovem a função de onda que estamos trabalhando no presente.

    Assim, temos uma função de onda que sai do passado para o futuro (representada pelas nossas ações e aspirações) e outra função de onda (reprsentada pelos desejos de acontecimento e decorrencias posteriores), que sai do futuro e resulta no passado desta, nosso futuro, que comprova a primeira função.

    Sim, tentativa de comprovação científica do "pensamento positivo" e do "pós-planejamento".

    A idéia torna-se absurda porquê a nossa capacidade sensorial está alinhavada com as 3 dimensões que habitamos e à quarta dimensão, onde estamos aprisionados.

    Creio que, com a capacidade sensorial correta, conseguiríamos "sentir", "manipular" e "viver" em mais dimensões.

    Assim, nossas discussões não se prenderiam às 4 dimensões perceptíveis, mas extenderiam-se até aonde a nossa consciencia alcançasse.

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