domingo, 18 de abril de 1999

O cabo-de-guerra cósmico



Quando olhamos para o céu noturno, as estrelas nos parecem distribuídas aleatoriamente, sem padrão determinado. As constelações formam grupos de estrelas organizados de forma sugestiva, mas, se olharmos para o céu como um todo, não existe um padrão pelo céu inteiro. Olhando com mais cuidado, vemos uma "névoa" alongada e difusa que corta o céu quase que de ponta a ponta, a Via Láctea.

Em 1924, o astrônomo norte-americano Edwin Hubble mostrou que a Via Láctea é apenas uma entre muitas galáxias, cada uma contendo desde vários milhões até centenas de bilhões de estrelas. Hubble mostrou também que as galáxias estão, em geral, se afastando da Via Láctea, com velocidades proporcionais à sua distância: quanto mais longe a galáxia, maior é sua velocidade de recuo. Esse movimento é chamado "fluxo de Hubble", como se as galáxias estivessem sendo carregadas por uma corrente de um rio cósmico. Essa é a expansão cosmológica que pode ser consequência do Big Bang.

No Universo, a gravidade é a arquiteta suprema; ela produz as várias estruturas "compactas" que vemos no cosmos, desde sistemas solares e galáxias até aglomerados de milhares de galáxias ou mesmo aglomerados de aglomerados. Quando a força da gravidade é forte o suficiente, a estrutura pode se desviar do fluxo de Hubble, ganhando movimento em outras direções. Como exemplo, a galáxia de Andrômeda (M31) está localizada a cerca de 2 milhões de anos-luz da Via Láctea. A atração entre as duas galáxias é grande o suficiente para fazer com que Andrômeda esteja se aproximando de nossa galáxia, em movimento inverso ao fluxo de Hubble; o cabo-de-guerra cósmico entre o fluxo de Hubble e a atracão gravitacional entre as duas galáxias é vencido pela gravidade. Esses movimentos locais, causados pela gravidade e que geram desvios do fluxo de Hubble, são conhecidos como "movimentos próprios".

No início dos anos 70, alguns astrônomos começaram a estudar esses movimentos próprios como indicadores da distribuição de massa em certas regiões do Universo. Como esses movimentos são causados pela gravidade, e esta resulta da atração entre concentrações de massa, a direção e a intensidade desses movimentos podem mapear a distribuição de massa por distâncias enormes. É como se quiséssemos estudar a posição e a massa do Sol observando os movimentos de planetas à sua volta.

Os resultados foram surpreendentes. Ficou claro que galáxias em aglomerados ricos (com muitas galáxias), chamados aglomerados de Abel, se comportam como abelhas em uma garrafa, com velocidades da ordem de 1.000 km/s. Mais ainda, esses aglomerados, como um todo, também têm movimentos próprios. Ou seja, concentrações de massa ainda maiores que os aglomerados devem existir para provocar tais puxões cósmicos. Em 1988, um estudo dos movimentos de uma amostra de galáxias elípticas revelou a possível existência de uma enorme concentração de massa, situada a cerca de 60 megaparsecs (1 megaparsec é igual a 3,2 milhões de anos-luz), que ficou conhecida como "Grande Atrator". Mais recentemente, foi descoberta outra estrutura, com uma extensão linear de 100 megaparsecs, chamada "Grande Parede".

O problema com essas medidas (e há outras ainda mais recentes) é que elas parecem contrariar um dos princípios mais fundamentais da cosmologia, o "princípio cosmológico", que diz que o Universo, em média, é homogêneo (o mesmo em qualquer lugar) e isotrópico (o mesmo em qualquer direção). Mesmo que a média seja sobre distâncias de centenas de megaparsecs, a descoberta de movimentos próprios de aglomerados indica a existência de concentrações de massa que dificilmente fazem parte de um Universo homogêneo e isotrópico. Ainda é prematuro criticar o princípio cosmológico, embora seja possível que ele perca o cabo-de-guerra para os movimentos próprios.

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