domingo, 5 de setembro de 1999

Energia nuclear no espaço



O uso de energia nuclear para geração de eletricidade me lembra o desgosto do sujeito que comprou uma caríssima garrafa de vinho francês, um Chateau Margaux 1959, que infelizmente passou do ponto. O investimento de emoção e dinheiro, a antecipação dos vários prazeres fornecidos pelo vinho, tudo vai por água abaixo quando é tomado o primeiro gole. Apesar das garantias do vendedor, algo de errado ocorreu durante os 40 anos de manutenção da preciosa garrafa, transformando um rubi líquido no vinagre mais caro do mundo.

Passados 43 anos desde a construção do primeiro reator nuclear na Inglaterra, usinas nucleares pontilham o globo, ao ponto de, em certos países, ela ser o provedor principal de eletricidade. Na França, 80% da energia vem de usinas nucleares. Infelizmente, o uso da energia nuclear tem seu lado negro. Mesmo que o risco de acidentes seja pequeno, basta que um ocorra para gerar efeitos que se espalham rapidamente. O desastre em Chernobil, na Ucrânia, em 1986, provocou pânico em grande parte da Europa. Outro problema é o "lixo nuclear", material altamente radioativo gerado nas usinas. Esse lixo tem de ser tratado e isolado de modo a não oferecer riscos de contaminação do solo ou água.

Devido a protestos de vários grupos preocupados com os riscos da energia nuclear, a tendência mundial do uso de reatores de fissão está gradualmente diminuindo. Uma das exceções é o Brasil, com a nova usina em Angra prestes a funcionar.

As soluções alternativas, com o uso de energia eólica (ventos) e solar, deveriam ser prioridade absoluta dos projetos de pesquisa financiados pelos governos e pela iniciativa privada, inclusive as grandes empresas petroquímicas. Infelizmente, a realidade é muito diferente.

Recentemente, o uso de energia nuclear tem criado outro foco de polêmica: a energia nuclear no espaço. Sem dúvida, viagens interplanetárias, ou aos confins do Sistema Solar (ou mesmo além), necessitam de fontes extremamente eficientes de energia. As tecnologias atuais que usam painéis solares para geração de energia em satélites não são muito eficientes para viagens aos planetas mais distantes, como Saturno e Urano. Missões como a Cassini, que tem o objetivo de chegar a Saturno em 2004, usam geradores termoelétricos radioisotópicos, que produzem eletricidade a partir do decaimento radiativo. Mesmo que esses geradores tenham já sido usados em mais de 20 missões, incluindo a Voyager e a Galileo, os protestos focaram mais na missão Cassini devido as suas maiores dimensões. A espaçonave tem o tamanho de um prédio de dois andares, levando uma quantidade recorde de plutônio, 33 kg. Mais de 1.000 pessoas protestaram em frente aos portões do Cabo Canaveral, na Flórida, quando a missão foi lançada em outubro de 1997. A espaçonave passou perto da Terra em agosto, lançando novos protestos.
Para chegar até Saturno com o mínimo de combustível, Cassini usa os campos gravitacionais da Terra e de Júpiter, que funcionam como uma espécie de catapulta, uma técnica muito comum em vôos interplanetários. O risco aqui é de um acidente ocorrer durante o lançamento da nave ou durante uma passagem perto da Terra, causando a difusão de material altamente radiativo na atmosfera, e aumentando o número de mortes por câncer. Os cálculos de danos prováveis de um acidente são muito imprecisos, pois dependem de detalhes como o local, a altitude, os ventos, a densidade populacional da área do acidente etc. Engenheiros afirmam que o combustível é envolto em cápsulas capazes de resistir a impactos e explosões extremamente violentas. A queda de um satélite na Califórnia em 1968, confirma a confiança dos engenheiros.
Críticos afirmam que não há garantias absolutas e que os riscos não justificam o uso de tecnologia nuclear no espaço; que mais recursos devem ser gastos na criação de tecnologias alternativas. Ignorando o impasse, Cassini segue sua rota em direção aos anéis de Saturno.

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