domingo, 10 de outubro de 1999

A grande lixeira nuclear


Nossa sociedade produz quantidades enormes de lixo. Esse lixo é compactado, às vezes tratado e reciclado, enterrado em grandes lixeiras e esquecido. O que fazer com o lixo nuclear, o material altamente radiativo que é produzido no processo de fissão nuclear em reatores?

Infelizmente, com o lixo nuclear, não podemos simplesmente esquecer, acreditando no poder da natureza em "limpar" nossa própria sujeira, como nas encostas de tantos de nossos rios. Com lixo nuclear, a única limpeza vem do tempo: materiais radiativos têm o que chamamos de "meia-vida", o tempo em que sua radiatividade decai a níveis mais aceitáveis. Infelizmente, para alguns materiais nucleares essa vida média pode ser de dezenas de milhares, até milhões, de anos. Mais ainda, o lixo nuclear pode ser tão radiativo que uma exposição de alguns segundos pode matar em dias ou horas.

Esse problema claramente é mais agudo em países que fazem amplo uso da energia nuclear. Mas o lixo vem também das armas nucleares e da aplicação de física nuclear à medicina, como no tratamento de várias formas de câncer. Diferentes tipos de lixo exigem diferentes tipos de tratamento, oferecendo maiores ou menores riscos. Alguns podem até ser reprocessados.

Existe uma ironia por trás do problema do lixo nuclear, que muitas vezes passa despercebida; nós usamos a energia nuclear com fins imediatos, seja para acender a luz em casa ou, há 55 anos, na terrível destruição de duas cidades japonesas e suas populações. O preço é a presença do lixo, a constante e agressiva memória de nossos usos e abusos da energia nuclear. De forma otimista, o uso da energia nuclear será apenas uma rápida fase na história da humanidade, no futuro suplantada por outras fontes de energia, como a solar ou a eólia, que talvez não sejam tão eficientes, mas, sem dúvida, bem mais seguras.

No meio tempo, o lixo nuclear vai se acumulando. Das várias sugestões para seu despojo, vale citar jogá-lo no Sol, no espaço, no fundo do mar, embaixo das calotas polares ou em buracos bem profundos na Terra. Aparentemente, essa última solução é a que está sendo adotada mais seriamente, ao menos pelo governo norte-americano. Técnicos acreditam ter encontrado o local ideal para a grande lixeira nuclear americana: a 150 km de Las Vegas, no meio do deserto, na montanha de Yucca. O projeto, orçado em US$ 35 bilhões, visa criar uma gigantesca cavidade sob a montanha capaz de armazenar, por milhares de anos, 77 mil toneladas de lixo radiativo.

A idéia é manter o lixo em cilindros ultra-resistentes que, associados à própria arquitetura da cavidade, ofereçam um "escudo" praticamente perfeito contra as ações destrutivas da natureza. Enquanto o lixo permanecer isolado, sua radiatividade vai enfraquecendo, até quase tornar-se inofensiva. Trata-se de um projeto único na história da humanidade, que visa construir algo capaz de desafiar a passagem do tempo, permanecendo funcional daqui há 10 mil ou até 100 mil anos. As pirâmides do Egito ainda estão de pé após 4.000 anos, mas não são mais muito funcionais.

Críticos acreditam que o "escudo" não resistirá à contínua ação da água, dizendo que essa estrutura apenas adiará o problema alguns milhares de anos. E isso se um grande terremoto, não raro na região, não destruir a estrutura inteira. E como criar um código capaz de explicar, para alguém daqui há 5.000 anos, o que está enterrado sob a montanha? Como nos comunicaremos no futuro? Será que uma caveira é suficiente? Qual o futuro da linguagem? Imagine que um horrível cataclismo, em 5.000 anos, destrua grande parte da vida na Terra. Um pobre sobrevivente, procurando por outros, se depara com esse estranho sinal, com uma caveira desenhada. "Ah! Deve ser um esconderijo com outros sobreviventes!", pensa nosso azarado. "Deixa eu tentar abrir essa enorme porta aqui..."


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