domingo, 4 de junho de 2000

Profecias e a estabilidade do Sistema Solar

O mundo deveria ter terminado no mês passado. Para ser mais explícito, no dia 5 ou no dia 17. Ao menos assim previam certas "profecias" apocalípticas. A causa? Um raro alinhamento dos planetas Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno com a Lua e o Sol no dia 5 e outro, um pouco menos dramático, no dia 17. Este último é mais uma convergência de planetas em uma região do céu compreendendo um arco de 19 graus do que um alinhamento propriamente dito, que seria equivalente a ter os planetas localizados em uma linha reta imaginária passando pela Terra.

Profecias como essa não são nenhuma novidade; a história está cheia de visões do fim do mundo, dilúvios, pragas e cataclismos os mais diversos, em geral consequência da ira divina. A passagem do ano 2000 foi encarada com um certo temor generalizado, uma mistura de profecias bíblicas com o possível caos tecnológico que seria causado por computadores, confundindo o ano 2000 com o ano 1900. Bilhões de dólares foram gastos e praticamente quase nada de caótico realmente aconteceu. Interessante essa adaptação de um simbolismo apocalíptico, uma herança religiosa, em um temor causado por uma tecnologia que acaba por nos controlar, o monstro destruindo seu criador, numa versão digital do mito do Dr. Frankenstein e sua criatura.

Até que ponto devemos levar a sério essas previsões de fim de mundo devido a alinhamentos planetários? A "causa" por trás da profecia é, claro, a força gravitacional; como cada planeta atrai a Terra em proporção à sua massa e em proporção inversa ao quadrado da sua distância, um alinhamento representaria uma maximização dessa atração, especialmente se todos os planetas estiverem do "mesmo lado", numa espécie de cabo de guerra planetário, a Terra contra o resto do Sistema Solar. O problema com essas profecias é que elas ignoram os números que resultam da simples aplicação da lei da gravitação aos alinhamentos. Vamos fazer algumas comparações: o astro que domina a dinâmica gravitacional do Sistema Solar é o Sol. podemos então estabelecer uma escala, onde a atração gravitacional entre o Sol e a Terra representa uma unidade, ou seja, com valor 1. A atração da Lua sobre a Terra é em torno de 5,6 milésimos da atração do Sol, ou, em nossa escala, 0,0056; a atração de Marte sobre a Terra é de 0,0000012; a atração de Júpiter sobre a Terra é de 0,000056; a atração de Saturno, 0,000004. Conclusão: mesmo se somarmos essas atrações, o resultado final é completamente desprezível. A atração gravitacional exercida pelos planetas sobre a Terra não irá causar cataclismos quando combinada durante esses alinhamentos.

A exploração econômica dessas profecias também é interessante, se não fosse trágica. Trágica porque milhares de pessoas, mal informadas com relação à ciência por trás desses fenômenos, os levam realmente a sério e gastam seu dinheiro e sua saúde em "serviços" de apoio aos cataclismos iminentes. Por exemplo, nos EUA existe um serviço privado chamado "Survival Center" (centro de sobrevivência), com endereço na Internet, que "previu" terremotos, maremotos e ventos de até 3.000 km/h causados pelo alinhamento do dia 5 de maio! Claro, o mesmo centro de sobrevivência também oferece vários produtos que podem ser extremamente úteis nessas circunstâncias, como geradores a gasolina, rádios a energia solar e velas com duração de seis dias. Como literatura de apoio, o portal oferece o livro "5/5/2000 Gelo: O Derradeiro Desastre", onde seu autor prevê que o alinhamento irá causar o degelo das calotas polares, que por sua vez causará enchentes comparáveis às de Noé.

Profecias à parte, desde o século 18 cientistas têm estudado a questão da estabilidade do Sistema Solar; já que a força gravitacional é atrativa, será que os planetas permanecerão em órbitas estáveis indefinidamente, ou será que eles escaparão da atração solar? Ou cairão no Sol? Em 1892, o matemático francês Henri Poincaré, após uma análise do problema, concluiu que não era possível assegurar a estabilidade do Sistema Solar. Técnicas mais modernas mudaram o veredicto positivamente, se incluirmos apenas forças gravitacionais. Infelizmente, efeitos dissipativos podem alterar esses resultados, causando uma futura instabilidade. Mas esses efeitos são muito, muito pequenos, e nada acontecerá por milhões de anos. No mínimo.

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