domingo, 11 de junho de 2000

Um pouco de caos é sempre bom

A física newtoniana, esse grande triunfo da racionalidade humana baseado nas teorias que o inglês Isaac Newton desenvolveu no século 17, criou uma visão de mundo fundamentada em um determinismo restrito: em um sistema físico qualquer, por exemplo, se conhecermos todas as posições e velocidades dos planetas orbitando o Sol em um determinado momento, poderemos prever as posições futuras ou reconstruir seus movimentos no passado remoto. Tal era a confiança nessa formulação mecânica do cosmo que, no início do século 19, o francês Pierre-Simon de Laplace declarou que, se uma "supermente" soubesse a posição e velocidade de todas as partículas do Universo, ela poderia prever todos os eventos futuros!

Nesse mundo de certezas, nada mais antipático que um problema sem solução. Como calcular os movimentos quando três corpos interagem gravitacionalmente, como um planeta em um sistema binário, isto é, com duas estrelas? (Contrariamente ao nosso Sol, cerca de 80% das estrelas aparecem em pares.) Esse problema, que parece simples, não tem solução exata. Cálculos em computadores indicam que as órbitas possíveis são caóticas, muito sensíveis às condições iniciais: uma pequena mudança na distância entre as estrelas ou na velocidade inicial do planeta gera uma órbita totalmente diferente. Um sistema simples pode ter comportamento complexo.

Essa sensibilidade às condições iniciais é uma das marcas registradas dos sistemas caóticos. Contrariamente ao uso comum da palavra, que significa o oposto de ordem, caos em um sistema físico representa um comportamento que, apesar de complexo, não é inteiramente desorganizado. Há uma persistência no comportamento do sistema, uma obediência a certos vínculos, que não existe em um sistema aleatório.

O clima é um exemplo de sistema caótico: é impossível prever com precisão qual será o clima em três ou quatro dias, mesmo que tenhamos uma quantidade enorme de dados e equações descrevendo os movimentos dos gases na atmosfera, o fluxo de calor, as diferenças de pressão etc.

Qualquer variação em um determinado local pode afetar o clima em outro local distante. Esse é o chamado "efeito borboleta", expressão cunhada por Edward Lorenz nos anos 60: o bater das asas de uma borboleta no Quênia pode afetar o clima no Canadá. Como jamais saberemos todos os detalhes que podem influenciar o clima mundial, jamais seremos capazes de prevê-lo perfeitamente. As equações continuam sendo determinísticas, mas o poder de previsão não é mais absoluto, como gostaria Laplace.

Por outro lado, o clima não é completamente louco; não neva no Rio de Janeiro (em São Paulo nunca se sabe). Há um limite para o caos climático. Esse mesmo comportamento aparece em outros sistemas que possuem a chamada não-linearidade, a propriedade de responder a estímulos de forma irregular. Em um sistema linear, a resposta é proporcional ao estímulo: se você chutar uma bola duas vezes mais forte, ela irá duas vezes mais longe. Em um não-linear, a situação é mais complicada; um estímulo menor pode causar uma resposta maior. A não-linearidade e a forte dependência das condições iniciais são dois ingredientes fundamentais dos sistemas caóticos.

Novas ferramentas foram criadas para estudar esses sistemas, que, em vez de uma descrição reducionista, usam métodos que dão uma informação global do sistema. Sistemas não-lineares têm comportamentos muito ricos; na verdade, eles é que são a regra da natureza. Sua propriedade mais importante é a emergência de ordem a partir de desordem. Furacões são um exemplo; a não-linearidade do sistema de gases atmosféricos conspira para formar um funil onde o ar se comporta de modo organizado. O mesmo efeito aparece no famoso "olho" de Júpiter, outro furacão gigantesco, resultado da auto-organização dos gases presentes em Júpiter. Sem caos, a natureza seria muito sem graça; um pouco de caos é sempre bom.

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