domingo, 10 de setembro de 2000

Independência, só de perto

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Durante os anos 50, um dos grandes sonhos da física, encontrar os componentes mais fundamentais da matéria, estava se tornando um dos seus maiores pesadelos. Isso porque a própria idéia de que a estrutura da matéria pode ser compreendida pela combinação de alguns tijolos fundamentais não parecia ter mais fundamento: experiências realizadas em colisores de partículas, máquinas capazes de colidir prótons, elétrons e outras partículas a velocidades próximas à da luz revelaram centenas de novas partículas "elementares", as chamadas ressonâncias bariônicas, ou hádrons.

Como centenas de partículas não podem lá ser muito fundamentais, das duas, uma: ou esses tijolos básicos de matéria não existem, ou essas centenas de partículas não são fundamentais.
Venceu a segunda hipótese. No início da década de 60, o físico norte-americano Murray Gell-Mann propôs que os hádrons eram feitos de combinações de partículas mais fundamentais, que ele, tirando a palavra de James Joyce, chamou de quarks. Os seis tipos de quarks compõem as centenas de hádrons, da mesma forma que o elétron, o próton e o nêutron, em números diferentes, compõem os 92 elementos da tabela periódica.

Se o átomo é mantido coeso devido à atração elétrica entre prótons e elétrons, os hádrons são mantidos pela chamada força forte, que atua nos quarks como uma espécie de cola. Por exemplo, podemos imaginar um próton como se fosse uma esfera com três quarks dentro, como sementes numa fruta. O interessante é que os hádrons têm outra característica que os torna semelhantes aos átomos.

Átomos são eletricamente neutros. O próton não, mas os quarks carregam também um outro tipo de "carga", que chamamos de cor. Fora as duas cargas elétricas (positiva e negativa), os quarks podem ter três cores -vermelha, verde e azul. Um hádron sempre tem cor neutra, isto é, ele é feito de uma combinação das três cores, ou de uma cor e sua anticor.

Anticor? Pois é, partículas têm suas antipartículas, com cargas inversas. Por exemplo, o elétron, negativo, tem o pósitron, positivo. Antiquarks têm anticores.

Portanto, hádrons são mantidos coesos pela força forte, são neutros segundo a carga "cor" e são compostos por quarks e antiquarks. As semelhanças entre força forte e eletromagnética terminam aqui. A força forte só atua em distâncias nucleares, enquanto a força elétrica tem um alcance que cai com o quadrado da distância entre as duas cargas.

A propriedade mais misteriosa da força forte é o "confinamento". Segundo observações experimentais e a teoria que descreve a força forte, quarks jamais aparecem livres, sendo condenados a estar sempre dentro de hádrons. A força forte atua de tal modo que, apenas quando os quarks estão muito próximos eles, se comportam como partículas livres.
Quando tentamos separá-los, a atração fica cada vez mais forte, como uma mola. Se continuarmos a tentar separá-los, a energia que depositamos nos quarks acaba por criar mais quarks, como a mola que se quebra em duas. Isolar um quark é como responder ao enigma Zen: "Qual é o som de uma mão aplaudindo?"

Essa propriedade de confinamento representa um grande desafio aos teóricos que tentam calcular, por exemplo, a massa do próton. A teoria, chamada cromodinâmica quântica (QCD), aludindo às cores dos quarks, baseia-se na idéia de que a interação entre quarks se dá por troca de partículas chamadas glúons, da mesma forma que a interação elétrica se dá pela troca de fótons. A diferença entre fótons e glúons é que os glúons podem interagir, sendo de alguma forma responsáveis pelo confinamento.

Os cálculos envolvidos são extremamente complexos, exigindo supercomputadores capazes de realizar trilhões de operações por segundo (teraflops), os mais rápidos do mundo. Mesmo assim, ainda não se conseguiu calcular a massa do próton, teste fundamental da QCD. Mas evidências experimentais variadas e resultados numéricos preliminares dão confiança aos proponentes da QCD, a teoria de um mundo bizarro onde a liberdade só é possível muito de pertinho.

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