domingo, 22 de outubro de 2000

Viagem virtual ao centro da Terra


Em 1981, o físico norte-americano Marvin Ross propôs algo que chocaria o próprio Júlio Verne, escritor francês que nos levou -ou pelo menos a nossa imaginação- ao centro da Terra: o interior dos planetas Urano e Netuno era repleto de diamantes, "diamantes no céu", como ele chamou seu artigo, inspirado na canção dos Beatles.
Ross baseou-se em experiências que estudam o comportamento da matéria a pressões e temperaturas altíssimas, como no interior dos planetas do Sistema Solar. Para simular tais ambientes, as experiências têm de gerar pressões milhões de vezes maiores do que a pressão atmosférica terrestre e temperaturas de milhares de graus.

É claro que essas experiências usam métodos extremos. O mais dramático emprega explosões nucleares para causar ondas de choque em amostras de materiais diversos. Outro, menos dramático, usa balas ultra-rápidas, que atingem velocidades de até 10 km/s, dez vezes maiores do que as balas comuns. O impacto com alvos diversos cria uma onda de choque que gera pressões e temperaturas comparáveis às encontradas no interior de planetas.

Tanto bombas quanto balas duram apenas frações de segundo, o que não é tempo suficiente para fazer medições muito precisas do que acontece com a amostra. De qualquer forma, experimentos usando esses métodos, no início dos anos 80, indicaram que certos gases comuns nos planetas gigantes, como o metano (CH4, um átomo de carbono e quatro de hidrogênio), se dissociam em componentes básicos quando submetidos a pressões como no interior de planetas. Foram esses experimentos que inspiraram Ross a propor a teoria de diamantes no céu: caso o carbono fosse mesmo dissociado sob altas pressões, afundaria em direção ao centro do planeta, como uma chuva de diamantes.


Essa imagem, mesmo que poética, ainda está longe de ser confirmada. Não é possível enviar sondas que analisem o interior de planetas distantes. Aliás, nem mesmo o da Terra, que permanece uma das grandes incógnitas da ciência.

Outro método muito utilizado no estudo de matéria a altas pressões é uma prensa de diamante: uma amostra de material é posta entre dois cristais de diamante e espremida por um pistão. Com isso, simulam-se pressões de até 5,6 milhões de atmosferas, o atual recorde, maior que no centro da Terra. O problema é que o expediente não sustenta temperaturas elevadas. Acima de 2.000C, o sistema deixa de funcionar. Portanto, outro método tem de ser usado.

Aqui entram os computadores. Usando simulações chamadas de dinâmica molecular, é possível simular as interações dentro de um grupo relativamente pequeno de átomos quando submetidos a altas pressões e temperaturas. Apesar de esse método também ter problemas, computadores cada vez mais poderosos vêm resolvendo vários deles.

O mais óbvio vem de essas simulações serem feitas em uma "grade" fixa (para representar átomos em um computador, é preciso especificar suas posições e velocidades em relação a uma grade, como se cada um ocupasse um vértice num tabuleiro de xadrez). O problema é que, quando a matéria é submetida a pressões altas, ela se rearranja em redes cristalinas diferentes, por exemplo passando de uma forma cúbica para uma piramidal. Como simular essa maleabilidade numa grade fixa? Mais ainda, as interações entre os vários átomos obedecem às leis da mecânica quântica, consideravelmente mais complicadas do que as da física clássica. Incorporá-las numa simulação não é fácil.

Usando grades maleáveis, com forças fictícias que simulam as interações entre grupos com centenas de átomos, físicos mostraram que o metano se dissocia, mesmo, sob altas temperaturas e pressões. E que o interior da Terra é mesmo rico em ferro líquido, cujas propriedades sob altas pressões permaneciam desconhecidas. Ainda não sabemos se existem diamantes no céu, mas a possibilidade existe, ao menos nas viagens virtuais ao centro dos planetas.

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