domingo, 5 de novembro de 2000

Clonando a ressurreição

A espécie animal mais assassina da natureza é, sem dúvida, o homem. É uma grande ironia que tenhamos a petulância de nos acharmos a espécie mais inteligente. Para mim, separar inteligência de sabedoria é absurdo. Mas é o que acontece, quando vemos nossa "inteligência" sendo usada para construir armas e armadilhas cada vez mais eficientes para caçar animais. O marfim dos elefantes, as peles das onças, dos jacarés e de tantos outros animais, será que é tão difícil assim viver sem esses "produtos"?

A desculpa dada é que os caçadores são pobres e precisam disso para sobreviver, que o problema é econômico. Sem dúvida é um problema econômico. Daqueles ricos que não têm a noção do que está por trás de um casaco de peles ou de brincos de marfim, de quais são as consequências da destruição das espécies.

Se esse mercado desaparecesse, os caçadores iriam caçar outras coisas, de preferência animais que não estão em extinção. Melhor ainda, eles iriam mudar de profissão. Mesmo a caça de subsistência já foi corrompida pelo consumismo desenfreado de partes de animais com que enfeitamos nossa casa ou corpo.

Recentemente, cientistas nos EUA anunciaram a primeira clonagem de uma espécie em extinção, o gauro indiano, um parente do búfalo. O bebê gauro nascerá este mês, do ventre de uma vaca. O processo de clonagem tem várias etapas. Primeiro, devemos ter um óvulo que será o recipiente do material genético da espécie em extinção. No caso do gauro, o óvulo usado foi o de uma vaca comum. Usando uma seringa bem fina, os cientistas extraem o material genético do óvulo recipiente, que se encontra no seu núcleo. O que resta no óvulo é o citoplasma, pronto para receber o material genético da espécie a ser clonada. Para tal, células da pele do animal em extinção, chamadas fibroblastos, são injetadas na parede interior da membrana que envolve o óvulo. Um choque elétrico funde a célula da pele com o citoplasma do óvulo. Algumas horas após a fusão, começa a divisão celular que inicia o desenvolvimento de um novo ser, o clone do animal do qual se retirou a célula da pele. Em alguns dias, essa mistura celular transforma-se em uma massa com mais de cem células, que é então implantada no útero da "mãe". Em alguns meses, nasce o clone do animal em extinção.

Com a tecnologia de clonagem de animais em extinção, o debate sobre a preservação das espécies se torna crucial. Infelizmente, oportunistas irão dizer que agora, com essa tecnologia, não precisamos mais temer a extinção, pois sempre poderemos clonar animais da espécie em perigo. Portanto, vamos caçar mais onças, jacarés e baleias, que tudo bem! Obviamente, esse argumento é absurdo.

Um dos problemas fundamentais da clonagem é que ela apenas duplica o material genético, destruindo a diversidade genética da espécie. Ou seja, reconstruiríamos uma espécie em extinção com centenas de cópias idênticas de alguns indivíduos. Imagine um mundo habitado por bilhões de cópias das mesmas cem pessoas! Mesmo que a clonagem ofereça a esperança de podermos repovoar certas espécies, teremos de criar meios de variar artificialmente seu material genético, talvez misturando-o com o de espécies afins, um processo arbitrário e eticamente complicado. O melhor antídoto contra a extinção é a conscientização e a destruição do mercado de consumo que promove a caça desses animais.

E a clonagem de espécies já extintas? Se podemos clonar uma espécie em extinção, por que não um mamute ou mesmo um dinossauro, como no filme "Parque dos Dinossauros"? Em princípio, se tivermos o material genético dessas espécies em bom estado de preservação, sua clonagem é possível. Felizmente, ao menos na minha opinião, devido a milhares (ou milhões) de anos de fossilização e mudanças de temperatura, o material genético dessas espécies se encontra em péssimo estado. Ainda não podemos usar a clonagem para ressuscitar espécies.
Paradoxalmente, apesar dessa técnica representar uma grande conquista da ciência moderna, ela também representa a pobreza do espírito humano.

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