domingo, 22 de abril de 2001

O debate Einstein-Bohr

Durante as primeiras três décadas do século 20, a física foi dominada por duas grandes personalidades, Albert Einstein e Niels Bohr. Einstein, conhecido pelas suas duas teorias da relatividade, a especial e a geral, teve também um papel fundamental no desenvolvimento da outra grande revolução conceitual da época, a mecânica quântica, que estuda o comportamento de sistemas atômicos e subatômicos.

Bohr, por outro lado, foi um dos arquitetos da revolução quântica, o primeiro a sugerir um modelo para os átomos que explicava uma série de descobertas experimentais que não se encaixavam dentro da descrição clássica da física. Mas Bohr fez muito mais do que sugerir a estrutura do átomo com um núcleo pesado cercado de elétrons em órbitas discretas, como os degraus de uma escada. Ele arquitetou a estrutura conceitual da mecânica quântica, que difere profundamente da concepção clássica da realidade. Foi essa interpretação que gerou o longo e frutífero conflito entre as duas grandes mentes.

A física clássica, desenvolvida durante os séculos 17 e 19, baseava-se em um determinismo explícito: é possível descrever o comportamento de um sistema individual a partir de algumas informações básicas, como sua posição e sua velocidade iniciais e as forças que atuam sobre ele. Se deixarmos uma bola cair de uma certa altura, ela será atraída pela força da gravidade e se chocará com o chão após um certo intervalo de tempo. (Na verdade, a situação é mais sutil. Certos sistemas clássicos são caóticos, e sua evolução temporal pode ser extremamente complexa.

Porém ela continua a ser determinista.) Esse determinismo clássico teve de ser abandonado na formulação da mecânica quântica. Átomos e partículas subatômicas não se comportam como bolas sendo atraídas por forças, revelando uma realidade intrinsecamente diferente da realidade clássica que dita o comportamento do mundo à nossa volta, ou seja, dos fenômenos que ocorrem na escala humana.Um exemplo ilustra o indeterminismo na mecânica quântica.

Considere uma amostra com um número bem grande de átomos radioativos, como o urânio ou o plutônio. Átomos radioativos desintegram-se "espontaneamente" em átomos menores e em outras partículas, após um certo período de tempo. Essa afirmação, segundo a mecânica quântica, é probabilística: dada uma amostra, metade de seus átomos irá decair após um certo tempo, a meia-vida do átomo (para o plutônio-241, a meia-vida é de 2,4 milhões de anos). É impossível prevermos quando um determinado átomo da amostra irá decair; podemos apenas afirmar que a probabilidade do decaimento de metade da amostra é dada pela sua meia-vida. O determinismo da mecânica clássica tem de ser abandonado ao tratarmos de sistemas atômicos e subatômicos.

Bohr, em sua interpretação da mecânica quântica, argumentou que esse indeterminismo não é uma "fraqueza" da teoria, mas uma propriedade intrínseca do mundo do muito pequeno. Einstein concordava que a mecânica quântica era uma teoria extremamente bem-sucedida, mas não que a natureza era intrinsecamente indeterminável. Para ele, uma teoria completa da mecânica quântica seria perfeitamente determinista, e o decaimento de um átomo individual poderia ser previsto com grande precisão.

A teoria quântica seria apenas uma aproximação dessa teoria final.Por trás das posições dos dois cientistas podemos discernir mais do que suas diferenças de opinião sobre a estrutura da mecânica quântica. Einstein acreditava profundamente na capacidade humana em obter uma descrição "completa" da natureza, do muito pequeno ao muito grande. Para ele, a atividade científica era investida de uma espiritualidade que refletia essa convicção. Não entender a razão de todas as coisas era uma derrota do intelecto humano que ele não estava disposto a aceitar.

Para Bohr, o sucesso da teoria era o sucesso de nossa razão. Por que forçar a natureza a ter o comportamento que corresponde aos nossos anseios espirituais? Se a natureza é intrinsecamente incerta, discreta e probabilística, nós devemos ter orgulho de termos descoberto essa sua sutileza. O debate só se encerrou com a morte de Einstein em 1955. Mas ele continua até hoje, essencialmente dentro das posições definidas pelos dois titãs. Por enquanto, vence Bohr, mas o futuro é indeterminado.

2 comentários:

  1. Interessante. Por qual razão se diz que "por enquanto vence Bohr", se ainda existe a possibilidade de que a descrição probabilística do átomo seja a descrição do efeito de uma estrutura determinística ainda não conhecida? Nosso entender da Teoria do Caos nos garante que sempre haverão sistemas cujo comportamento não pode ser previsto, ainda que seja determinístico e ainda que seja constrito a um campo limitado de possibilidades, e ainda que responda a uma distribuição probabilística fixa. Como uma torneira pingando.

    O quê o autor do texto pensa?

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  2. Interessante que pode ser aprendido apenas discutir estes dois gênios, certamente nas discussões sobre este que ganhou de nós.

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