domingo, 5 de agosto de 2001

A nova super-rede


O desenvolvimento dos computadores nos últimos 15 anos vem modificando profundamente a pesquisa científica nas áreas mais variadas, da cosmologia até a geologia e a genética. Eu me lembro, quando ainda era estudante de doutorado em meados dos anos 80, da dificuldade que era rodar um programa relativamente simples. Primeiro, era preciso ir ao prédio onde estavam os terminais de acesso aos computadores (caso não fosse necessária a leitura de cartões).

Depois, era longa a espera até que o pequeno processador calculasse as derivadas de que precisava para resolver a minha equação. Finalmente, eu tinha de esperar os resultados serem impressos na impressora central e ficar na fila para recebê-los. Era possível fazer um gráfico das soluções, mas a tecnologia existemnte era bastante primitiva. Para a maioria das pessoas, criar uma animação das soluções era coisa de ficção científica.

As ciências físicas baseiam-se em modelos matemáticos usados na descrição dos fenômenos naturais. Muitas vezes essa descrição envolve equações que não podem ser resolvidas "à mão", isto é, não é possível encontrar soluções dessas equações em termos de funções matemáticas comuns, como o seno ou o logaritmo. Em outros casos, temos de resolver muitas equações ao mesmo tempo, o que seria humanamente impossível. É aqui que residem as mais importantes aplicações dos computadores nas ciências físicas: o que não podemos resolver à mão, resolvemos numericamente, por meio de cálculos aproximados realizados em computadores. Claro, quanto mais complicada a equação (ou equações), mais poderoso deve ser o computador. Por exemplo, hoje sabemos que as galáxias não estão distribuídas pelo cosmo ao acaso, mas sim respeitando uma estrutura extremamente complexa. Uma imagem útil na descrição da distribuição de galáxias é a de um banho de espuma. As galáxias estão distribuídas na superfície das bolhas, enquanto seu interior é essencialmente vazio. Usando a lei da gravitação, é possível simularmos a distribuição de galáxias observada por astrônomos, testando assim as teorias de formação da estrutura cósmica. Para isso são usados os computadores mais poderosos do mundo, capazes de resolver mais de 258 milhões de equações conjuntamente, com 512 processadores em paralelo.

Em cálculos dessa natureza, quanto maior o número de processadores, melhor. É aqui que entra a idéia da "super-rede": por todo o mundo, milhões de computadores passam uma enorme parte de seu tempo em hibernação, esperando por novos cálculos ou tarefas. Por que não criar uma super-rede, capaz de identificar quais computadores estão sendo subutilizados, integrando-os em cálculos feitos em outros computadores? Como um gigantesco polvo estendendo seus tentáculos, a super-rede otimizaria o uso dos computadores, conectando máquinas em Pequim e São Paulo para realizar os cálculos de um meteorologista russo ou de um geólogo australiano.

Tal como com o desenvolvimento da internet, são os físicos que vêm tentando desenvolver programas capazes de reconhecer quais nódulos na super-rede são utilizáveis em um dado momento e como integrá-los nos cálculos, oferecendo ao mesmo tempo uma interface que torna a sua utilização relativamente fácil. Por exemplo, os programas sendo testados atualmente decidem por si só como otimizar a distribuição das tarefas entre os vários nódulos. Essas incluem não só a resolução de equações em simulações, mas, também, a análise de enormes quantidades de dados. Como um outro exemplo, experimentos envolvendo colisões de partículas elementares a altas energias produzem milhares de trilhões de bits de dados por ano, cujas análises mais primárias necessitam de 20 trilhões de operações por segundo. O computador mais veloz atualmente pode processar "apenas" 3 trilhões de dados por segundo. O apetite por maiores velocidades de processamento e armazenamento de dados só tende a crescer.

Dois problemas essenciais com a super-rede são a fidelidade e a rapidez na transmissão de informação, além da segurança. Como um gigantesco animal cibernético, é importante que a super-rede tenha excelentes sistemas cardiovascular (para o fluxo de informação) e imunológico (na defesa contra um vírus). Caso contrário, a super-rede será a Torre de Babel da era da informática.

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