domingo, 13 de janeiro de 2002

A música das pequenas e grandes esferas

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Em filosofia se diz, e com razão, que tudo começou com os pré-socráticos, filósofos que viveram aproximadamente durante o sexto século a.C. em partes diferentes da Grécia Antiga. Segundo Aristóteles, que viveu mais tarde, no século 4 a.C., o primeiro dos filósofos foi Tales, que veio de Mileto, cidade que fica no que hoje é a costa oeste da Turquia. Tales dizia que tudo é água, e que é muito mais fácil dar conselho aos outros do que conhecer a si mesmo.

A idéia de atribuir a essência de todas as coisas a um único elemento fundamental foi extremamente importante, mesmo que, para nós, ela possa parecer ingênua. Pela primeira vez na história, respostas sobre o funcionamento do mundo natural foram buscadas na própria natureza e não por meio das ações sobrenaturais de diversos deuses. Assim nasceu a ciência.
Em torno de 530 a.C., um outro filósofo vivia no sul da Itália, o legendário Pitágoras. Muita gente conhece o nome Pitágoras pelo famoso teorema da geometria, que diz que o quadrado do lado maior de um triângulo reto (a hipotenusa) é igual à soma dos quadrados dos outros dois lados (os catetos). Aparentemente, não foi Pitágoras quem provou esse teorema, mas alguma outra pessoa que fazia parte de sua fraternidade filosófica. É difícil atribuir descobertas específicas a um ou outro pré-socrático, pois praticamente nada do que eles escreveram sobreviveu. Mas sabemos que Pitágoras foi o primeiro a descobrir a profunda ligação entre a música, a matemática e a natureza, ligação que é, ainda hoje, fonte de grande inspiração na ciência.

Usando um instrumento de cordas, Pitágoras mostrou que notas musicais que ele considerava harmônicas (harmonia é uma palavra pitagórica) podiam ser atribuídas a razões entre números inteiros relacionados com o comprimento da corda. Se à corda solta era associada o número 1, à metade da corda seria atribuída a razão 1/2, cujo som é uma oitava acima do som da corda solta (o leitor que tem um instrumento de corda qualquer pode facilmente constatar isso). O som correspondente a 2/3 da corda é uma terça mais alto, a 3/4 uma quarta, e assim por diante.

Para Pitágoras, o fato de uma escala musical harmônica aos ouvidos poder ser construída a partir de número inteiros não era uma coincidência, mas uma expressão do papel essencial da matemática na descrição do mundo. A relação da música com a matemática ocupou, desde então, um papel central no desenvolvimento da ciência: a descrição da natureza a partir dos números deveria ser tão harmoniosa quanto as notas musicais são aos ouvidos.

Kepler, o astrônomo alemão que viveu no início do século 17, acreditava, como os pitagóricos, em uma profunda relação entre a matemática, a música e a natureza. Dizia-se que Pitágoras podia ouvir a "música das esferas", a melodia que os planetas soavam em suas órbitas celestes ao redor da Terra (na época, ainda se acreditava que a Terra era o centro do cosmo). Se as distâncias entre os planetas e a Terra pudessem ser representadas por razões entre números inteiros, como nas escalas musicais, eles soariam a música celeste. Kepler não podia ouvir a melodia celeste ("apenas o intelecto pode ouvi-la", dizia), mas acreditava na descrição das órbitas em termos de números relacionados com escalas musicais. Em seu grande livro, "A Harmonia do Mundo", publicado em 1618, ele elabora a sua lei harmônica, onde é estabelecida a relação correta entre o período da órbita dos planetas (em torno do Sol) e a sua distância ao Sol. Kepler representou seus resultados em termos de escalas musicais, uma para cada planeta: "Os movimentos celestes não são mais do que uma canção contínua para diversas vozes", escreveu ele.

Os números inteiros reapareceram na ciência de forma espetacular no início do século 20, durante o desenvolvimento da física atômica. O dinamarquês Niels Bohr e o alemão Sommerfeld demonstraram que as órbitas dos elétrons em torno do núcleo atômico podem ser representadas por sequências de números inteiros que, segundo Sommerfeld, têm "uma consonância harmônica maior do que as estrelas das melodias celestiais pitagóricas". O que reaparece aqui é a importância da poética no processo criativo do cientista. A harmonia das esferas, parte da ciência tanto do muito grande quanto do muito pequeno, traz a ciência mais perto da arte, onde o símbolo é uma ferramenta fundamental da criatividade; ele não só expressa a criação como também a alimenta.

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