domingo, 21 de abril de 2002

Ameaças celestes


Marcelo Gleiser
especial para a Folha

No dia 19 de março, a agência de notícias norte-americana CNN anunciou: "Ufa! Asteróide quase atinge a Terra de surpresa". O bólido celeste, cujo nome é asteróide 2002 EM7, só foi percebido após passar a uma distância de 461 mil quilômetros do planeta, o que equivale a 1,2 vez a distância até a Lua. Parece até muita coisa, mas, em termos astronômicos, podemos dizer que o asteróide passou de raspão por aqui.

Que os céus são ameaçadores não é novidade. Os leitores familiarizados com o Apocalipse, o último livro do Novo Testamento, podem identificar várias passagens nas quais objetos caem dos céus trazendo caos e destruição à Terra.

Essas passagens não vieram do acaso, mas do acúmulo de observações passadas de pessoas que presenciaram a queda de meteoritos ou a aparição, então inexplicável, de cometas. No meu livro "O Fim da Terra e do Céu", exploro a influência desses relatos apocalípticos no desenvolvimento da astronomia.

Em uma das minhas imagens favoritas, após o terceiro anjo soar a sua trombeta, "caiu do céu uma grande estrela, ardendo como uma tocha. E caiu sobre a terça parte dos rios e sobre as fontes" (Apocalipse, 8,10).

De certa forma, os astrônomos de hoje vestem os trajes dos antigos profetas, alertando para os perigos que vêm dos céus. É fácil, diante de nossa perspectiva moderna e secular, deixar de lado essas imagens de bólidos celestes caindo sobre a Terra como sendo fenômenos extremamente raros, tão raros que não devemos nos preocupar muito com eles.

Sem querer parecer alarmista (mas parecendo), eu vejo essas ameaças celestes com bastante seriedade. De fato, a possibilidade de uma colisão de um asteróide ou cometa com a Terra é bastante pequena. Alguém a comparou com a probabilidade de uma pessoa ser atingida por um raio. Não acredito que a comparação faça muito sentido, pois não temos dados suficientes para calcular a probabilidade de uma colisão: os cálculos atuais dependem de levantamentos de colisões passadas na Terra e na Lua, cuja precisão é duvidosa. De qualquer modo, pessoas são atingidas por raios e asteróides chocam-se com planetas. É importante olhar para os céus com respeito.

Voltando ao asteróide 2002 EM7, seu diâmetro, de 70 metros, é maior do que o do bólido que provocou o famoso "evento em Tunguska", uma região da Sibéria que, no dia 30 de junho de 1908, recebeu uma visita de surpresa que devastou uma área de 2.100 quilômetros quadrados de floresta.

Aparentemente, o visitante foi um cometa que explodiu a oito quilômetros de altitude, liberando a energia de várias megatoneladas de TNT, equivalentes a mil bombas de Hiroshima. Caso o bólido tivesse explodido sobre uma região urbana, as consequências teriam sido terríveis. Cientistas calculam que o asteróide 2002 EM7 poderia ter devastado uma região equivalente à Grande São Paulo.

Antes que o leitor saia correndo pelas ruas gritando "O fim está próximo!", devo reiterar que, de fato, a probabilidade de um asteróide de pequeno porte (menos de 500 metros de diâmetro) cair ou explodir sobre uma região urbana é mesmo muito remota. (A queda sobre oceanos pode ser problemática, já que ela provocaria maremotos enormes, que arrasariam regiões costeiras.)
Mas a possibilidade existe, levantando a questão do que pode ser feito. Por exemplo, o asteróide 2002 EM7 passou despercebido porque a sua trajetória estava alinhada na direção do Sol, tornando quase impossível detectá-lo com telescópios. Seria como ver uma mosca olhando contra um holofote situado a quilômetros de distância.

Com tantos problemas sociais aqui na Terra, fica difícil olharmos para os céus com seriedade. Mais difícil ainda é alocar recursos para que se possa fazer um levantamento detalhado dos asteróides em nossa vizinhança cósmica, de modo a isolarmos aqueles que possam vir a se tornar visitantes indesejáveis.

Cometas também podem ser identificados, mas, em geral, apenas com um ou dois anos de aviso prévio, o que não é muito. Com bólidos celestes, quanto mais cedo soubermos do perigo, melhor. Os dinossauros foram extintos há 65 milhões de anos devido à colisão de um asteróide de dez quilômetros de diâmetro, uma categoria que chamamos de assassino planetário. Espero que sejamos de fato mais inteligentes do que os pobres sáurios e passemos a tomar essas passagens de "raspão" como um aviso prévio, tal qual a trombeta do anjo.

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