domingo, 2 de junho de 2002

Cuidando da nossa casa


Marcelo Geiser
especial para a Folha

Acabo de ler o relatório "Panorama Ambiental Global 3", preparado pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Ambiente). Com base em observações e coletas de dados pelo mundo inteiro, o relatório apresenta uma previsão da situação do planeta, a nossa casa, durante as próximas três décadas, supondo que nenhuma providência seja tomada para mudar o ritmo atual de exploração e expansão econômica.

Mesmo reconhecendo alguns pontos positivos, como o aumento considerável no número de áreas dedicadas a parques nacionais e a melhora na qualidade da água na Europa e nos EUA, as conclusões são devastadoras. Nas palavras de Klaus Töpfer, o secretário executivo do Pnuma, o grau de penetração humana "em áreas cada vez maiores do planeta não é sustentável". "A menos que o curso atual seja alterado, nós ficaremos com muito pouco."

Eis algumas das conclusões do relatório: 25% das espécies de mamíferos poderão estar extintas em 30 anos. Ao todo, 1.130 das 4.000 espécies de mamíferos e 1.183 das 10 mil aves conhecidas correm o risco de extinção. Menos aves implica mais insetos e mais pragas que podem afetar a produtividade do setor agrícola e aumentar o número de doenças contagiosas.

Nos mares o problema também é sério. A tecnologia da indústria pesqueira é hoje tão eficiente que um terço do estoque mundial de peixes desapareceu nas últimas décadas, especialmente no Mediterrâneo e nas costas da China e do Japão. Esses mares, é bom ressaltar, alimentam mais de um bilhão de pessoas.

Essas perdas estão diretamente relacionadas com o ritmo de exploração econômica do planeta. Mais de 15% da superfície da Terra está comprometida devido aos excessos da indústria agropecuária e da mineração. Em 30 anos, desenvolvimentos infra-estruturais como estradas e a expansão urbana poderão afetar 70% da superfície da Terra. Nós estamos literalmente devorando a nossa casa, sem a menor preocupação com as consequências que esse nosso apetite terá para as futuras gerações. Sei que sôo melodramático, mas a minha preocupação é grande. O perigo é real e os toques de despertar estão sendo dados continuamente por cientistas, economistas e ambientalistas. Infelizmente, a maioria cai em ouvidos surdos pela ganância e pelo imediatismo que caracterizam a maioria das nossas decisões.

Pelos comentários acima, pode parecer que eu esteja dizendo que o desenvolvimento econômico é incompatível com a estabilidade da Terra. Não é isso. Acredito que seja possível manter um nível elevado de desenvolvimento econômico baseado em um planejamento responsável do uso e da manutenção de recursos.

Segundo o relatório da ONU, durante a metade dos anos 90, cerca de 40% da população mundial sofreu com sérios períodos de seca e em torno de 1,1 bilhão de pessoas ainda não têm acesso à água potável. Há uma conexão entre a abundância de água e as variações climáticas que, como todo mundo já está percebendo, estão cada vez mais extremas nos últimos anos. E esse desequilíbrio climático vem dos elevados níveis de poluição, do famoso efeito estufa. É necessário impor restrições às emissões de gases em indústrias e veículos, de carros a navios cargueiros, que são sérios poluidores devido à baixa qualidade do combustível que utilizam.

O que será que pode ser feito para melhorar essa situação? A física nos ensina que equilíbrio depende de um compromisso entre tendências opostas. Mesmo em uma situação instável, se o balanço entre essas tendências for mantido, a situação de equilíbrio persistirá. Talvez possamos aprender com isso. A natureza está nos dizendo algo muito simples, mas muito importante: em qualquer situação de equilíbrio instável, abusos terão consequências devastadoras.

Como nos tornamos senhores do planeta, temos de exercer essa função com a responsabilidade que um cargo de controle exige. Com o poder vem a responsabilidade. Está mais do que na hora de provarmos ao nosso planeta que somos dignos de estar aqui, que merecemos esse poder. A história da humanidade mostra que nós somos capazes das mais belas criações e dos mais horrendos crimes. Espero que o nosso planeta não seja uma de nossas vítimas. Quando queimamos a casa onde moramos, ficamos sem teto. E por onde começar? Gosto do slogan que diz "pense globalmente e aja localmente". Da próxima vez que você jogar lixo nas ruas, ou deixar o carro ligado sem necessidade, lembre-se de que os menores atos podem ter grandes consequências.

Este ensaio é dedicado à memória do grande jornalista científico e divulgador de ciência José Reis.

Um comentário:

  1. Oi, Marcelo Gleiser, sei q nao tem muito a ver com o assunto, mas eu o vestibular UERJ hoje, parabéns, pelo seu texto "Astroteologia".

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