domingo, 1 de dezembro de 2002

Uma colisão de gigantes


Marcelo Gleiser
especial para a Folha

NGC6240. O leitor deve, recentemente, ter visto imagens dessa estranha galáxia. Se não, eis o porquê do enorme interesse nesse longínquo objeto cósmico: em vez da elegância das galáxias elípticas, com formato de bolas de futebol americano, ou das espirais, como a nossa Via Láctea, com seus tênues braços repletos de estrelas e gás, NGC6240 é toda deformada, uma teia cósmica pontilhada de fontes de luz, como se estivesse sendo puxada em direções opostas. As imagens do Telescópio Espacial Hubble já haviam sugerido que algo de dramático estava acontecendo por lá. Mas exatamente o que permanecia em aberto. Ao menos até agora.

A distorção de NGC6240 é atribuída a um fenômeno cósmico raro, a colisão entre duas galáxias. Na verdade, NGC6240 não é uma galáxia, mas duas: devido à sua mútua atração gravitacional, elas acabaram por formar uma só estrutura, como dois redemoinhos de matéria se unindo em uma dança espiralada. Dependendo da massa de cada galáxia, da distância entre as duas e de sua velocidade relativa, um número incontável de combinações se torna viável, o que explica em parte a forma exótica de NGC6240. Mas a junção de duas galáxias é apenas parte da história.
Como os redemoinhos aquáticos, as galáxias também têm um centro. O que se descobriu nos últimos anos é que nesse centro reside um buraco negro gigantesco, com massa milhões de vezes maior que a do Sol. Ou seja, no caso das galáxias, o olho da tempestade é, na verdade, um funil na estrutura do espaço, capaz de sugar tudo que se aproxime demais de suas bordas. A Via Láctea tem um buraco negro em seu centro com aproximadamente 300 milhões de massas solares. Mas o leitor não precisa se preocupar: estamos muito longe das suas garras. Um redemoinho no Caribe não traga banhistas no litoral de São Paulo, certo?

Voltando à NGC6240, as imagens do Hubble foram complementadas por outro olho cósmico, o do Observatório de Raios X Chandra, um satélite espacial dotado de um telescópio extremamente sensível, nesse caso aos raios X. Esse pulo da astronomia da Terra ao espaço mudou nossa concepção do cosmo.

Várias das especulações dos astrofísicos teóricos dos anos 70 e 80 agora podem ser comprovadas (ou não) através desses instrumentos. Uma delas era justamente que buracos negros não só existem no centro de galáxias, como podem formar objetos binários, como um planeta e sua lua, orbitando um em torno do outro. A enorme atração entre eles causa um movimento espiralado até terminar em uma colisão que, até para padrões astronômicos, é espetacular.

Pois foi exatamente isso que as imagens do Chandra revelaram: no centro de NGC6240 se encontram dois gigantescos buracos negros, os centros das respectivas galáxias antes de sua junção, marchando inexoravelmente em direção à colisão final. Jamais buracos negros binários haviam sido identificados, muito menos com massas milhões de vezes maiores do que a do Sol, viajando a velocidades de aproximadamente 35 mil quilômetros por hora. A colisão final ocorrerá em uns 100 milhões de anos e sacudirá a própria geometria do espaço, criando ondas como as que vemos ao jogar uma pedra na superfície de um lago. Esse será também nosso destino.

Andrômeda, a nossa galáxia vizinha, e seu buraco negro central estão em rota de colisão com a Via Láctea. As imagens que vemos hoje de NGC6240 com os telescópios Hubble e Chandra são semelhantes ao que observadores distantes verão ocorrer um dia com a nossa galáxia (se eles existirem).

NGC6240 está a 400 milhões de anos-luz da Terra. Ou seja, são 400 milhões de anos para a luz viajar de lá até aqui: o que vemos agora com nossos telescópios ocorreu há 400 milhões de anos. Para um observador em NGC6240, a colisão já ocorreu. (E, provavelmente, observador nenhum sobreviveu a ela.) Somos parte dessa dança cósmica de criação e destruição e nossa existência é iluminada pela beleza e pelo drama de um Universo em permanente transformação.

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