domingo, 23 de fevereiro de 2003

A primeira luz

,
No dia 11 de fevereiro, a agência espacial Nasa anunciou os resultados de sua sonda WMAP (Wilkinson Microwave Anisotropy Probe, ou Sonda Wilkinson de Medida da Anisotropia em Microondas), que se tornaram um marco na história da cosmologia moderna.

Seu nome estranho vem do seguinte fato: o Universo se encontra banhado em radiação de microondas proveniente de sua infância. Essa radiação, chamada de radiação de fundo cósmico, prevista pelo russo George Gamow no final da década de 1940 e observada pela primeira vez em meados de 1960, representa um retrato do cosmo apenas algumas centenas de milhares de anos após o Big Bang. Se uma quantidade qualquer medida em direções (ângulos) diversas apresentar variações em seu valor, dizemos que ela é anisotrópica. Por exemplo, um céu com nuvens esparsas é anisotrópico em relação à presença de nuvens: em algumas direções estão presentes, em outras, não.

A sonda WMAP mediu diversas propriedades da radiação de microondas que banha o Universo. Dentre elas, a mais importante é a sua temperatura. É possível associarmos uma temperatura a uma radiação qualquer, seja ela em infravermelho, no visível, em ultravioleta etc. (A da superfície do Sol, amarela, é de 6.000C; a do cosmo, -270C.) Um dos resultados mais importantes da WMAP foi medir as variações de temperatura da radiação de fundo, ou seja, a sua anisotropia: diferentes regiões do cosmo têm diferentes temperaturas, que variam em apenas um milionésimo de grau. Imagine a sofisticação de um instrumento automatizado, a mais de 1 milhão de quilômetros, capaz de mapear variações de um milionésimo de grau nessa radiação.

O primeiro mapa da anisotropia da radiação de fundo foi obtido pela sonda Cobe, em 1992. Mas a WMAP amplia muito sua precisão, fornecendo uma série de detalhes sobre a história do Universo primordial. Para começar, a sua idade: 13,7 bilhões de anos desde o Big Bang. A margem de erro nessa medida é de apenas 200 milhões de anos, ou menos de 2%. Sabemos também quando as primeiras estrelas apareceram, apenas 200 milhões de anos após o "bang". E que a radiação medida surgiu quando o Universo tinha 380 mil anos.

Foi nessa época que elétrons e prótons se juntaram para formar os primeiros átomos de hidrogênio, substância mais abundante no cosmo. Portanto, a radiação é uma fotografia do cosmo quando os primeiros átomos surgiram. As variações na temperatura se dão devido a diferenças na distribuição de matéria: quanto mais matéria numa região, mais energia a radiação tem de gastar para escapar de sua atração gravitacional e sua cor muda (mais vermelha). O resultado é um mapa de manchas variando do vermelho ao violeta. Podemos usá-lo para saber quanta matéria há no Universo.

Segundo a Teoria da Relatividade, não só a matéria, mas a energia também pode atuar gravitacionalmente. Isso é consequência da equivalência entre matéria e energia, bastante famosa. Portanto, ao falarmos da quantidade de matéria no Universo, devemos também incluir contribuições para a sua energia, como por exemplo, a própria radiação de microondas, que não é matéria (não tem massa), mas tem energia.

Eis o balanço total do cosmo: 4% de matéria comum, feita de átomos, como nós; 23% de matéria escura, um tipo de matéria de natureza ainda desconhecida; e 73% de energia escura, uma forma estranha de energia que atua como um tipo de antigravidade. (Não se preocupe, esse efeito só ocorre em escalas cosmológicas, de centenas de milhões de anos-luz.)

Como disse o astrofísico John Bahcal, do Instituto de Estudo Avançado em Princeton, ao comentar os resultados do WMAP: "Nós temos de aprender a entender esse Universo pouco atrativo, meio louco e implausível, pois não temos alternativa". Da matéria que existe, 85% são de um tipo que não conhecemos, e a maior parte da energia do Universo é de uma forma ainda mais bizarra. Medimos quantidades importantes, respondemos certas perguntas, e outras ainda mais desafiadoras surgiram em seu lugar. E tudo isso, ao olharmos para a primeira luz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário