domingo, 20 de abril de 2003

Como datar a origem da vida

.
Imagine observar uma pessoa idosa durante um tempo sem poder conversar com ela e tentar, a partir dessas observações, reconstruir detalhes de sua vida: onde cresceu, se teve doenças sérias ou filhos, se foi ou é casada etc. Por mais atento que você seja, certamente apenas partes da história serão óbvias, aquelas que deixaram marcas distintas ou outras pistas. Uma cicatriz, uma aliança no dedo, o jeito de se vestir.

Em várias áreas da ciência a proposta é, de certa forma, semelhante: não podendo voltar diretamente ao passado, temos de obter o máximo de informação sobre o que ocorreu através de pistas indiretas. Esse é o caso, por exemplo, da paleontologia, que tenta reconstruir as diferentes formas de vida que existiram na Terra através de fósseis, ou de partes da geologia, que tenta reconstruir a história da Terra, a sequência de suas várias transformações físico-químicas e estruturais, através do estudo da composição mineral de suas várias camadas. De fato, descobertas em paleontologia e em geologia muitas vezes andam de mãos dadas -e as crises, também.

Veja o exemplo da extinção dos dinossauros. Apenas na década passada ficou claro que os dinossauros foram extintos há 65 milhões de anos, devido a um impacto devastador de um asteróide de aproximadamente dez quilômetros de diâmetro sobre a Terra. Paleontólogos sabiam da extinção relativamente rápida dos sáurios gigantes, mas apenas quando geólogos descobriram a enorme cratera na península de Yucatán, no México, o debate foi finalizado. Se essa história é um exemplo da colaboração entre os dois grupos (nem sempre amistosa, deve-se dizer), uma nova crise mostra sua importância: a reconstrução das primeiras formas de vida na Terra.

A infância da Terra foi extremamente violenta. Durante o seu primeiro bilhão de anos, ela e os outros planetas do Sistema Solar foram furiosamente bombardeados por inúmeros asteróides e planetóides. A Lua, por exemplo, parece ter sido a sobra de uma colisão entre a jovem Terra e um planetóide do tamanho de Marte. Essa fase violenta terminou aproximadamente há 3,7 bilhões de anos. E não é coincidência que os primeiros sinais de vida também datem dessa época. Aparentemente, assim que as coisas se acalmaram por aqui, os primeiros seres que podemos chamar de vivos apareceram: conjuntos complexos de moléculas à base de carbono, capazes de se reproduzir. Na Austrália, foram descobertos restos de colônias de micróbios chamadas de estromatólitos -um dos primeiros testemunhos da vida na Terra, datados em 3,5 bilhões de anos. Em Isua, Groenlândia, restos com 3,7 bilhões de anos. E antes disso?

A situação fica muito complicada. Três bilhões e meio de anos é muito tempo, mesmo em geologia. Tempo suficiente para as rochas terem passado por inúmeras transformações, que, infelizmente, destroem e corrompem fósseis de seres que porventura tenham vivido nessa época ou antes.

Ao procurar sinais da vida que existia há bilhões de anos, geoquímicos têm de achar pistas muito discretas, traços infinitesimais de compostos de carbono gravados ainda nas rochas. O problema é que alguns desses traços podem ser criados por processos inorgânicos, ou seja, que não envolvem seres vivos ou seu metabolismo. Esse é, aparentemente, o caso de achados em rochas da Groenlândia, datados em 3,8 bilhões de anos, ou seja, ainda no meio do bombardeio primordial. Esses seriam, se provados corretos, os primeiros sinais de vida na Terra.

Qualquer que seja o veredicto final (as coisas não vão bem para os defensores da vida com mais de 3,8 bilhões de anos), o impressionante é a possibilidade de a vida ter existido em condições tão extremas. Esse é o aspecto mais importante do debate, seres vivos sobrevivendo em ambientes hostis. Nem é necessário voltar 3,8 bilhões de anos, 3,7 bilhões já está bastante bom, pois a Terra era então um verdadeiro inferno.

A consequência é óbvia: se formas de vida existiram aqui em condições tão extremas, devem ter necessariamente existido em outros planetas pela galáxia. Nesse caso, a curiosidade fica ainda mais aguçada: que formas de vida serão essas? A esperança é que elas sejam mais do que meros micróbios, quem sabe até inteligentes, se questionando, como nós, se existem outras formas de vida na galáxia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário